“A pesquisa analisa elementos dentro das trajetórias de vida, do ambiente escolar e práticas dos jovens que possibilitem possíveis pistas para a compreensão do ato infracional, abrangendo aspectos físicos; patológicos; econômicos; sociais, afetivos e familiares”, resumiu o organizador do livro, Elionaldo Fernandes Julião, que é professor da Faculdade de Educação da UFF e foi contemplado da FAPERJ, pelo programa Jovem Cientista do Nosso Estado. “Entrevistamos uma amostra de 307 adolescentes em cumprimento de medida de internação no sistema socioeducativo em 2016, em situação de restrição e privação da liberdade, em todas as seis unidades de internação do Degase no estado”, completou o doutor em Ciências Sociais, que também é professor adjunto do Instituto de Educação de Angra dos Reis.
Dessas seis unidades, cinco são para adolescentes e jovens do sexo masculino, sendo duas no município do Rio de Janeiro, uma em Belford Roxo, outra em Volta Redonda e a quinta em Campos dos Goytacazes. A sexta unidade, na Ilha do Governador, é a única que abriga o sexo feminino. Embora localizada nesse bairro do Rio, ela atende às jovens de todos os municípios do estado. “Mantivemos o sigilo de identidade de todos os jovens. A participação deles foi importante para ajudar a compreender o processo de construção das suas trajetórias de vida. Entendemos esse jovem não apenas como um sujeito vulnerável socialmente, mas também como autores de atos infracionais, com uma abordagem mais abrangente, que outros estudos não adotaram”, detalhou.
O capítulo 1 apresenta o “Perfil socioeconômico de jovens em cumprimento de Medida Socioeducativa de internação no estado do Rio de Janeiro”, em artigo assinado por Cláudia Lúcia Silva Mendes e Raul Japiassu Câmara. O segundo capítulo, “Juventude e violência: reflexões sobre a delinquência e vitimização de jovens no Rio de Janeiro”, de autoria do organizador da obra, leva em conta diversas questões que emergem da discussão sobre a violência envolvendo os jovens na sociedade contemporânea. Julião, dialogando com estudos como o Mapa da Violência e o Atlas da Violência, entre outros, principalmente com os dados sobre os jovens vítimas, vulneráveis e autores de violência, reflete sobre violência e vulnerabilidade juvenil. No terceiro, “Ato Infracional – Condições e Circunstâncias”, Soraya Sampaio Vergilio analisa os dados dos principais atos infracionais cometidos pelos jovens em cumprimento de medida de internação no estado do Rio de Janeiro na sua passagem atual pelo sistema socioeducativo.
No quarto capítulo, intitulado “As adolescentes e jovens autoras de atos infracionais em internação no estado do Rio de Janeiro – Algumas considerações sobre o feminino e a etiologia do ato infracional”, Soraya Vergilio Sampaio e Alexandre Azevedo analisam os dados da pesquisa sobre a população jovem do sexo feminino que estava privada de liberdade no sistema socioeducativo do Rio de Janeiro. “Embora as jovens sejam representadas numericamente em menores quantidades nos ambientes de privação de liberdade, constituem-se em um importante e urgente universo a ser observado, visto que as políticas de privação de liberdade historicamente não levam em conta o feminino no ambiente prisional e socioeducativo”, destacou Julião.
O quinto capítulo, assinado por Iris Menezes de Jesus, aborda a “Escolarização dos jovens em cumprimento de medida socioeducativa de internação no estado do Rio de Janeiro”. O texto oferece uma análise das questões pertinentes à escolarização dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação no estado do Rio de Janeiro. No sexto capítulo, “Religiosidade no sistema socioeducativo e alguns aspectos da sexualidade dos adolescentes privados de liberdade”, Leandro Soares de Souza ressalta que há uma lacuna nos estudos acadêmicos sobre o perfil dos adolescentes privados de liberdade, pois geralmente não investem nas discussões sobre sua religiosidade e suas práticas religiosas dentro do sistema socioeducativo.
Julião propõe uma compreensão abrangente da delinquência juvenil (Foto: Divulgação)
No sétimo capítulo, “Juventude e espaço público: jovens do sistema socioeducativo e o direito à cidade”, Renan Saldanha Godoi, valendo-se de uma reflexão teórica mais aprofundada sobre o conceito de território, propõe refletir sobre as principais questões que envolvem hoje este jovem em cumprimento de medida de internação no estado do Rio de Janeiro a partir da sua dimensão territorial, principalmente considerando três eixos interpretativos: caracterização física e simbólica do espaço comunitário; esporte, cultura e lazer; e do direito à cidade.
No oitavo capítulo, “Da ‘rua’ à ‘casa’: como outsiders avaliam os estabelecidos?”, Raul Câmara se propõe a refletir sobre uma análise institucional a partir da percepção dos jovens em cumprimento de medidas socioeducativas de internação principalmente sobre o atendimento profissional (equipes técnicas e de segurança) e a ação policial em seus cotidianos. No nono e último capítulo, “Adolescência em privação de liberdade no Rio de Janeiro: a autoimagem dos adolescentes e aspectos relacionados às suas famílias”, Maria Tereza Azevedo Silva, a partir das diversas questões que envolvem a política nacional de convivência familiar e comunitária prevista legalmente para a política socioeducativa, propõe se debruçar nos dados da pesquisa com base nas respostas dos adolescentes sobre o seu sistema familiar, o seu relacionamento com as figuras parentais e a percepção dos adolescentes sobre o apoio familiar.
De um modo geral, a partir de distintas reflexões teóricas sobre as trajetórias juvenis, a obra visa contribuir para a compreensão do fenômeno da delinquência juvenil a partir do debate sobre vínculo social, autocontrole, estilo de vida e atividades rotineiras, delinquência em grupo, incluindo pares e gangues; e experiências de vitimização no contexto escolar, familiar e do entorno. “Essas reflexões foram elaboradas após o processo de aplicação dos questionários em 2016 e dois anos de trabalho para a interpretação dos dados. Cada questionário aplicado individualmente aos jovens continha 266 perguntas, agrupadas em 128 questões distribuídas por oito módulos – perfil socioeconômico; convivência familiar, comunitária e território; escola e trajetória escolar; profissionalização e trabalho; institucional; percepções; violência e vulnerabilidade; e ato infracional”, explicou Julião.
Entre os dados observados, muitos ressaltam a situação de vulnerabilidade social desses jovens, como a facilidade de acesso a drogas com pouca idade, a convivência familiar e comunitária próxima à violência e a realidade da violência doméstica. “Entre os entrevistados, por exemplo, 89% dos jovens já tiveram outras passagens pelo Degase, ou seja, há um grande número de jovens reincidentes. Vimos que 99% dos entrevistados já usaram drogas pelo menos uma vez na vida, sendo que a primeira experiência com drogas ocorreu, para 6,8%, com menos de 10 anos de idade; para 35%, entre 10 e 12 anos; para 49%, entre 13 e 16 anos; e apenas 2% disseram que foi a partir dos 17 anos”, citou. Outro ponto que chama a atenção é a familiaridade dos amigos com o cometimento de atos ilícitos. “Muitos dos amigos que eles afirmam ter boa relação são jovens e adolescentes envolvidos com tráfico e violência, sendo que 87.9% disseram que seus amigos já se envolveram com venda de drogas, roubo, furto ou dano ao patrimônio”, acrescentou.
O organizador da obra espera que os resultados da pesquisa possam contribuir para a formulação e aprimoramento de políticas de prevenção da criminalidade. “Que essa prevenção seja baseada em evidências fundamentadas na avaliação dos programas existentes, e em um conhecimento social mais abrangente acerca dos fatores correlacionados à criminalidade. Entre os principais gargalos do sistema socioeducativo estão a falta de infraestrutura adequada, tanto em relação à quantidade quanto à capacitação de profissionais, além da compreensão equivocada da sociedade do real papel do sistema socioeducativo. O Estatuto da Criança e do Adolescente afirma que esse papel é sancionatório, mas eminentemente pedagógico, ou seja, não basta só privar de liberdade e punir, a medida tem que ser educativa. Diferente da prisão para o adulto, a internação deve ter um caráter totalmente pedagógico”, concluiu Julião.
Autor: Débora Motta
Fonte: FAPERJ
Sítio Online da Publicação: FAPERJ
Data: 19/12/2019
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=3900.2.0
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