Antes de passar a palavra aos palestrantes, a gerente de Ambientes de Inovação da Casa Firjan, Julia Zardo, explicou aos novatos na plateia os objetivos da Casa Firjan e dos Diálogos da Inovação: pensar o futuro nos dias de hoje com parceiros que tenham motivações diferentes – como é o caso da FAPERJ, frisou – que traz para as empresas a visão da academia. “A intenção é que consigamos montar um grupo de pessoas que pensem em estratégias para aumentar a competitividade e a inovação das empresas, e o desenvolvimento do estado do Rio de Janeiro”, esclareceu Julia.
Mediador do debate, o diretor de Tecnologia da FAPERJ, Mauricio Guedes, ressaltou a importância do início da parceria entre a Fundação e a Firjan este ano. “O desafio da diretoria de Tecnologia da FAPERJ é o desafio da inovação, de transformar o conhecimento em riqueza, empregos, renda”, disse Guedes, explicando que a série Diálogos da Inovação foi organizada no modelo de encontros mensais, sempre nas últimas quartas-feiras de cada mês, abordando diversos temas. Para ele, o tema agronegócio é especial porque apesar de não fazer parte do cotidiano do Rio de Janeiro, a cadeia agrega diversas áreas como a da robótica, processamento de imagens e internet das coisas, entre outras.
Pizza farta: produção do alimentos no País (Fonte: imagem/Embrapa)
Doutora em Políticas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Petula Nascimento iniciou sua palestra lembrando que o “agro” é hoje o setor que mais sustenta o Produto Interno Bruto (PIB) do País, respondendo por 23%. Destacou os surpreendentes volumes de produção no Brasil – 219,14 milhões de toneladas de grãos, 26,35 milhões de t. de carnes, 35,17 bilhões de litros de leite e 43,8 milhões de t. de frutas –, decorrente de uma grande evolução da pesquisa em diversas áreas, em especial, nos ganhos de produtividade. Petula ressaltou a participação da agricultura familiar na produção de alimentos, que responde por 88% dos estabelecimentos rurais do País (5,2 milhões de estabelecimentos rurais) e 74% da mão-de-obra no campo. A pesquisadora discorreu sobre a evolução da agricultura moderna, traçando uma linha do tempo desde a “Revolução Verde”, na década de 1960, passando pela “Segunda Onda”, nos anos 1990, com sistemas integrados multidisciplinares de pesquisa e produção, como a integração entre Lavoura, Pecuária e Floresta, e, a partir de agora, o início da “Terceira Onda”, que se baseia na agricultura de base biológica, em um mundo em constante mudança e contextos cada vez mais complexos.
“Nessa era da complexidade temos um nexo entre água, energia e alimento, que é a base de tudo. Além disso, o setor precisa atender à Agenda 2030 da ONU, com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e, principalmente, estar atento às tendências de consumo, que valorizam cada vez mais produtos saudáveis e produção sustentável, e que reduzam perdas e aproveitem os resíduos”, disse a chefe da Embrapa Solos. Ela deu o exemplo do algodão orgânico colorido produzido na Paraíba. Em sua opinião, a agricultura será cada vez mais pressionada pela multifuncionalidade, aspecto que considera, entre outros, serviços ambientais e ecossistêmicos, química verde e biomateriais, inclusão e qualidade de vida no meio rural, cultura, tradição, gastronomia e turismo, numa visão sistêmica do setor. Para Petula, o desafio é integrar ao “agro” as tecnologias disruptivas, como a agricultura digital (Agro 4.0), baseada em conteúdo customizado, já que sete a cada 10 moradores do campo têm acesso à internet. A pesquisadora disse que a Inteligência Artificial não serve apenas às grandes commodities, mas permeia todo o setor. Finalizando, Petula garantiu que as startups são a grande solução para agregar mais dinamismo ao “agro”, e que a Embrapa vem promovendo arranjos institucionais para viabilizar isso. Deu o exemplo do Ideas for Milk, o primeiro desafio lançado pela Embrapa para startups desenvolverem soluções para o setor leiteiro; o InovaPork, promovido este ano para o setor da suinocultura, e o InovaAvi, que buscará soluções para o setor da avicultura e será lançado em 2020, assim como um Ideas voltado especificamente para o Rio de Janeiro, a fim de dinamizar a interação entre universidades e produtores fluminenses.
Francisco Jardim cofundador e diretor da São Paulo Ventures (SPV), empresa líder em empreendimentos exclusivamente focados na cadeia de agroalimentos na América Latina, contou que a gestora de venture capital foi fundada em 2007, um período difícil, carente de cases de sucesso de empreendedorismo de alto impacto. Ele lembrou que dos oito primeiros investimentos feitos pela SPV, quatro eram no setor da agricultura. Em 2013, a empresa levantou os cinco maiores fundos de venture capital em estágio inicial, mas com diversificada base de investidores. No ano seguinte, focou no agfoodtech e desde então consolidou o maior e mais diversificado portfólio da América Latina. Com patrimônio de R$ 105 milhões, o fundo aplica 80% dos recursos em startups que desenvolvem tecnologias agropecuárias. Para Jardim, todo o ecossistema favorável, que vem sendo construído há décadas por diversos atores, agora “explode” no Brasil e abre enormes oportunidades de investimento no setor. Ele chama atenção para o fato de que períodos de grandes transformações sempre foram acompanhados por grandes safras de fundos de investimentos. “Pela primeira vez o Brasil está protagonizando e liderando uma grande transformação tecnológica, que é a 4ª Revolução Agrícola, baseada num modelo muito mais colaborativo do que as primeiras”, acredita o CEO da SP Ventures. “O agro é o único setor da economia no qual o Brasil é líder inquestionável na produção e/ou exportação da maior parte dos produtos dinâmicos”, lembra Jardim.
A partir da esquerda, o diretor de Tecnologia da FAPERJ, Maurício Guedes, moderador do encontro, e os convidados Francisco Jardim, Amanda Pinto e Petula Nascimento (Foto: Fabiano Veneza/Casa Firjan)
O administrador explicou que os fundos de investimento substituem as empresas devido ao seu apetite por riscos, por projetos ousados. Ou seja, enquanto as empresas fazem inovação incremental, e perdem muitas oportunidade de inovações disruptivas, os fundos arriscam e contam com um índice de 30 a 50% de mortalidade entre suas apostas. Jardim destacou as vantagens competitivas do agronegócio, como a grande disponibilidade de terra ainda não explorada, a possibilidade de utilização de áreas de pastagem para agricultura, os altos índices de produtividade das principais culturas, a disponibilidade de água e as condições meteorológicas, que favorecem duas a três safras por ano. Destacou, também, a variedade de solos, a enorme biodiversidade, microclimas, e fotoperiodismo característicos do clima tropical. Jardim alega que o Brasil é o único país do mundo a poder atender ao aumento de 60% a 80% na demanda de alimentos até 2050, segundo previsão de diversas organizações internacionais. O CEO da SPV discorreu sobre a liderança do País em ciência agrícola, com as universidades e institutos de pesquisa complementando o trabalho da Embrapa. Ele explicou que baseado na experiência apreendida no ecossistema do setor, a SPV criou uma tese dividida em seis estágios, que incluem etapas “dentro da porteira e depois da porteira”, a partir do perfil da tecnologia, estágio da cadeia do agro e a verticalização alcançada, na qual todo o qualquer investimento feito, seja em pecuária ou agricultura, deveria se enquadrar em pelo menos três dos seis estágios, ciências da vida ou transformações digitais. “A agricultura é uma linha de manufatura a céu aberto, permeada por agentes biológicos e com um ciclo de capital de giro muito longo”, diz Jardim, lembrando que o aquecimento global demandará a agregação de ainda mais inovação e tecnologia para ao setor.
Amanda Pinto, head de Inovação do Grupo Mantiqueira, maior produtor de ovos da América Latina e o 12º do mundo, apresentou a grande novidade da empresa, o N.ovo, o primeiro ovo vegano do País, lançado em 2017. Fundado em 1987 pelas famílias Pinto e Cunha, o Grupo Mantiqueira atua em cinco segmentos do agronegócio, todos correlatos à produção de aves de postura, e possui quatro unidades produtivas em três estados brasileiros com capacidade para abrigar 11,5 milhões de galinhas e produzir dois bilhões de ovos por ano. “Sempre em sintonia com as necessidades do consumidor, desenvolvemos o maior portfolio de produtos do mercado”, diz Amanda, destacando os ovos enriquecidos de ômega 3, a linha gourmet, o caipira orgânico e os ovos solidários, cuja parte da renda é revertida para projetos sociais. Representante da nova geração de gestores do Grupo Mantiqueira, Amanda também idealizou a granja de galinhas livres de gaiolas, instalada em Paraíba do Sul, município da Região Serrana fluminense, quase na divisa com Minas Gerais. Ela conta que em suas conversas com ONGs dedicadas ao bem-estar animal, muitas pessoas sugeriam que a empresa aumentasse as instalações de galinhas criadas fora de gaiolas. Mas como achar espaço suficiente para acomodar 11 milhões de galinhas livres?
Para chegar ao N.ovo, Amanda pesquisou as tendências de mercado e descobriu no DrawDown, bestseller publicado pelo New York Times, que uma dieta à base de plantas é a quarta melhor forma de ajudar na redução do aquecimento global. Identificou também o consumidor flexitariano, aquele que não é tão radical quanto o vegano e o vegetariano, pois come principalmente alimentos de origem vegetal, mas ainda não excluiu de vez as carnes do cardápio, o que seria o mais efetivo para reduzir os gases de efeito estufa. Após tomar conhecimento de pesquisa da Nielsen que aponta a América Latina como o principal mercado de proteínas alternativas, ela decidiu investir no produto. Além disso, previsão da Lux Research aponta que até 2054 as proteínas alternativas representarão 33% do market share global. “Usamos menos de 1% das 300 mil espécies vegetais comestíveis disponíveis no mundo na alimentação”, informa Amanda. Após dois anos conhecendo inovações no Vale do Silício voltadas para o desenvolvimento de proteínas alternativas, equivalentes a proteínas animais, Amanda convenceu o Conselho do Grupo Mantiqueira a desenvolver e lançar o produto. Esse substituto de ovos é 100% vegetal, produzido a partir de proteína e amido de ervilha, linhaça dourada e uma combinação de três tipos de fermentos, e pode ser usado em diversas receitas, como bolos, pudins, panquecas, entre outros.
Autor: Paula Guatimosim
Fonte: FAPERJ
Sítio Online da Publicação: FAPERJ
Data: 28/11/2019
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=3887.2.1
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