sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Pães de Açúcar, formações rochosas típicas do Rio, são berçários de novas espécies

O Rio de Janeiro não tem apenas um Pão de Açúcar, um dos cartões-postais da cidade maravilhosa. Há pelo menos outros quatro pontos turísticos que se enquadram nessa nomenclatura característica desse tipo de formação rochosa: o mundialmente conhecido Corcovado, a Pedra da Gávea e o morro Dois Irmãos. Essas rochas de granito, castigadas e moldadas pelo sol, pela chuva e pelo vento, vão ganhando contornos arredondados que lembram seios femininos. Historiadores atribuem a origem do nome pão de açúcar aos colonizadores portugueses que transportavam o açúcar em fôrmas cônicas, assim como as usadas para produzir pão.

Denominados inselbergs (insel = ilha e berg = montanha) pelo geólogo alemão Wilhelm Bornhardt, são chamados “pão de açúcar” quando apresentam formato arredondado. Posteriormente, geólogos, geógrafos e biólogos estenderam o uso do termo – pães de açúcar – aos afloramentos rochosos arredondados inseridos na Mata Atlântica, geralmente de composição granítica e gnáissica. Distribuídas por diversos biomas, essas ilhas terrestres, por proporcionarem uma limitada presença e intercâmbio de espécies, possuem flora e fauna únicas, adaptadas ao isolamento dessas montanhas.

Desde jovem a pesquisadora Luiza de Paula foi atraída por essas formações, bastantes comuns no Vale do Mucuri, onde está localizada Teófilo Otoni, sua cidade natal, no Nordeste de Minas Gerais. Durante sua graduação, a curiosidade a respeito do tipo de vegetação que poderia existir naquelas formações rochosas além de cactos aumentou. Alguns professores achavam que não haveria nada de interessante; outros a incentivaram a iniciar incursões na Pedra de São Francisco, localizado em uma fazenda de um amigo de seu pai na região. Assim, quando concluiu o curso de Biologia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2011, sua monografia foi o inventário florístico daquele inselberg. “Foi uma grande revelação, pois lá descobrimos 10 espécies novas para a ciência e cinco registros novos [quando a espécie já foi descrita, mas não naquele local] para o estado de Minas Gerais”, comemora a botânica.

Segundo Luiza, dessas novas espécies, todas endêmicas de inselbergs de Minas Gerais e Espírito Santo, sete já foram descritas em artigo científicos, das quais três ela participou da descrição: Axonopus graniticola, uma espécie de capim que só ocorre em afloramentos de granito; Anthurium mucuri, planta da família Araceae, uma espécie da mesma família do Imbé, muito ornamental, que ocorre apenas em inselbergs do Vale do Mucuri; e Solanum hydroides, espécie da mesma família do tomate e da batata, que ocorre sempre associada às matas que crescem sobre os inselbergs, cujo nome "hydroides" remete à semelhança de seus espinhos com a hydra, um animal aquático. As quatro demais espécies descritas por outros taxonomistas são a Bradea borrerioides, da família Rubiaceae (a mesma do café); Pleroma marinana, da mesma família da quaresmeira; Serpocaulon demissum, uma espécie de samambaia; e Scleria didina, da família Cyperaceae, uma espécie graminiforme, ou seja, semelhante às gramíneas. Duas outras espécies de Myrtaceae (mesma família da goiaba e jabuticaba) e uma espécie de Apocynaceae, da família da rosa-do-deserto, estão em processo de descrição. 


Várias especies de orquídeas (coluna da esquerda), bromélias como os tapetes (no alto, à dir.) prosperam, como a Apocynaceae (abaixo, à dir.)


Posteriormente, Luiza focou sua dissertação de mestrado nos diversos microhabitats da Pedra de São Francisco, que de tão variados são considerados ilhas em ilhas. Ali foram registradas 88 espécies de plantas, com predominância de bromélias, ervas, orquídeas e capins. A pesquisa mostrou que adaptações morfológicas, anatômicas e reprodutivas foram necessárias para a sobrevivência das plantas nesses ambientes. Entre os microhabitats há as “panelas”, depressões na pedra nas quais o acúmulo de água favorece o crescimento de plantas aquáticas e carnívoras; os “tapetes”, onde espécies como bromélias crescem grudadas à rocha, entre outros. Seu estudo concluiu que eram necessárias abordagens mais amplas, tanto qualitativas quanto quantitativas, para o desenvolvimento de estratégias de conservação e manejo da vegetação única sobre esses afloramentos rochosos.

A escassez de informações sobre os inselbergs levou Luiza a esmiuçar as informações contidas em livro do alemão Stefan Porembski, que esteve no Brasil na década de 1990 para estudar essas formações rochosas. Ao entrar em contato com o botânico, para conhecer o seu trabalho, foi convidada a fazer seu doutorado na Universidade de Rostock, na Alemanha. Luiza passou a trabalhar nos inselbergs da Região Sudeste brasileira inseridos no bioma da Mata Atlântica, incluindo o sul da Bahia, onde sua família possui uma chácara. Nesse período, a botânica alternou seus estudos na Alemanha com a pesquisa de campo no Brasil, e no último ano como pesquisadora visitante na Universidade de Vrije, em Bruxelas (Bélgica).

Durante o período de estudos em solo brasileiro, Luiza colaborou com Rafaela Forzza, pesquisadora no Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ). Parte do projeto da FAPERJ de Cientista do Nosso Estado, coordenado por Rafaela, financiou as pesquisas de campo e coleta de dados nos inselbergs. Contudo, a conexão das pesquisadoras foi muito além do mundo acadêmico. “Eu também nasci em locais de inselbergs, só que no vale do Rio Doce, no Espírito Santo, e fiz meu doutorado com bromélias de inselbergs. O destino nos uniu pelo amor pelas plantas deste ambiente tão único, apesar de sermos de gerações distintas”, lembra Rafaela. O primeiro artigo que consolidou essa colaboração foi um estudo sobre as bromélias que ocorrem nos inselbergs, com a lista de espécies e seus padrões de distribuição, que foi seguido por outras publicações envolvendo a dupla. “Vimos que os inselbergs são ecossistemas muito importantes para a especiação [processo evolutivo pelo qual as espécies vivas se formam] de bromélias, plantas que são extremamente ornamentais e servem para abrigar uma rica fauna, já que elas acumulam água em seus tanques, onde vivem insetos e anfíbios”, conta Luiza. Além disso, ela relatou que as bromélias grudam na rocha praticamente nua, e depois vão acumulando substrato, permitindo o crescimento de outras plantas. Consideradas plantas pioneiras nos inselbergs, elas formam um microhabitat conhecido como tapete, e por permitirem o crescimento de outras plantas, são também chamadas de plantas enfermeiras. “Sem elas, não teríamos uma flora tão rica nos inselbergs”, esclarece Luiza, “primeira autora” (como é designado o autor principal de um estudo científico) do artigo, publicado no Botanical Journal of the Linnean Society, em 2016.

Como consequência natural, em seguida, a pesquisadora iniciou o levantamento de todas as plantas vasculares dos inselbergs do tipo pão de açúcar do sudeste do Brasil, inseridos da Mata Atlântica. Nesse inventário florístico, foram compiladas 548 espécies de plantas, das quais 115 estão em alguma categoria de ameaça, isso considerando que mais de 70% das plantas catalogadas não tiveram o grau de ameaça avaliado. Em artigo publicado este ano no Biodiversity Data Journal, Luiza trata das plantas raras encontradas, além de mais de 20 novas espécies, que estão em processo de descrição. “Por serem de difícil acesso e estarem, muitas vezes, inseridos em áreas antropizadas, a comunidade botânica negligenciou os inselbergs e sua flora, por isso estamos revelando tantas novidades com as nossas pesquisas”.


A partir da esq., Rafaela, Luísa Oliveira e Luiza de Paula: unidas pela paixão por plantas que crescem em locais pouco acessíveis, como nos pães de açúcar, inselbergs típicos do Rio de Janeiro

Devido às diferentes condições de precipitação e umidade, a pesquisadora observou que os inselbergs do Rio de Janeiro são bem diferentes dos encontrados no interior. E até em uma mesma região, podem apresentar uma flora diversa, já que são isolados e possuem fluxo gênico baixo, ou seja, a dispersão de sementes e a polinização são restritas (feitas pelo vento, insetos ou aves), o que dificulta a conexão das plantas entre os afloramentos. Dessa forma, muitas plantas se tornam endêmicas, ocorrendo em um inselberg ou em uma dada região. Além disso, diversas espécies ocorrem somente nos inselbergs e não estão presentes na vegetação ao redor da rocha. Um exemplo são as chamadas plantas de ressurreição, que chegam a perder 90% de água em suas folhas, mas que ressuscitam com um mínimo de chuva. Muitas são endêmicas da rocha, e usam os inselbergs de trampolins para se espalharem. “O acúmulo de mutações consequente do isolamento e das condições inóspitas fazem dos inselbergs um berçário de novas espécies”, diz a botânica, que explorou mais de 40 afloramentos, com a fundamental ajuda da colega Luísa Azevedo Oliveira, que além de ter participado das publicações, atualmente também fez dos inselbergs, sua geologia e espécies raras, sua tese de doutorado na UFMG.

A fim de contribuir com a aproximação da ciência e sociedade, Luiza e alguns amigos biólogos criaram, há dois meses, o podcast “Papagaio de Primata” 

ttps://biologiadaconservacao.com.br/papagaiodeprimata. Dedicado à divulgação científica, o site apresenta conteúdo baseados em dados científicos e buscam novas possibilidades de comunicação nas temáticas socioambientais.




Autor: FAPERJ
Fonte: FAPERJ
Sítio Online da Publicação: FAPERJ
Data: 06/08/2020
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=4039.2.0

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