sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Despertando vocações: livro apresenta o universo da Paleoparasitologia para estudantes


Com linguagem acessível, o livro chama a atenção de crianças e jovens alunos para as carreiras científicas (Foto: Reprodução)

O estudo de seres invisíveis a olho nu, como micróbios, vermes e bactérias, que viveram há milhares de anos e são encontrados preservados em múmias e materiais orgânicos fossilizados, pode explicar detalhes ainda desconhecidos da fauna e da flora do planeta durante a pré-história. Esse microuniverso revelador é o objeto de estudo da Paleoparasitologia. “Trata-se da ciência que estuda os parasitos, sejam eles protozoários, vermes, bactérias, fungos, vírus e outros micro-organismos encontrados em materiais antigos. Esses materiais podem ser múmias, ossos, dentes, o âmbar que se popularizou no filme Jurassic Park, sedimentos ou mesmo as fezes de animais como dinossauros, chamadas pelos cientistas de coprólitos”, definiu a pesquisadora Daniela Leles, que é professora da disciplina de Parasitologia na graduação de diversos cursos da área de Saúde (como Biologia, Nutrição e Enfermagem) e no programa de Pós-Graduação em Microbiologia e Parasitologia Aplicadas, do Instituto Biomédico da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Como desdobramento do programa Jovem Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ, em que foi contemplada e, por consequência, recebeu recursos da Fundação para a realização de suas pesquisas, ela acaba de lançar, junto com a sua orientanda de doutorado na UFF, a também bióloga Fernanda Guimarães, o livro didático Paleoparasitologia na Educação Básica (Rio de Janeiro, Editora Albatroz, 108 p.), disponível para download gratuito no Repositório Institucional da UFF. Escrita em uma linguagem lúdica, de fácil compreensão, e com ilustrações de Leila Guimarães, irmã de Fernanda, a obra tem o objetivo de despertar vocações para a ciência em crianças e jovens em idade escolar. “Fui aprovada por duas vezes no programa Jovem Cientista e uma das exigências do edital é a realização de atividades de divulgação científica nas escolas públicas. Quando entrei em contato com a Secretaria de Educação de Niterói, em 2015, indicaram a Unidade Municipal de Educação Infantil Rosalda Paim, para crianças de até cinco anos. Daí surgiu o desafio de criar uma linguagem sobre Paleoparasitologia acessível para o público infantil, e de produzir materiais paradidáticos de acesso gratuito para esse segmento”, resumiu Daniela. Assim, em 2017, a dupla lançou dois livros infantis (uma história e uma cartilha de atividades), que agora ganhou uma versão em audiodescrição e libras.

Daniela lembrou que a Paleoparasitologia é uma ciência ainda relativamente jovem. O marco para o início das pesquisas nessa área são os estudos do médico patologista anglo-alemão Sir Armand Ruffer (1859-1917), que se basearam na observação dos ovos de um parasito chamado Schistosoma haematobium nos tecidos renais de múmias egípcias na primeira metade do século XX. “Mas foi um pesquisador brasileiro, Luiz Fernando Ferreira da Silva (1936-2018), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), quem criou o nome “Paleoparasitologia” para essa área de estudos, no final da década de 1970, e consolidou, juntamente com Adauto José Gonçalves de Araújo (1951- 2015), que foi meu orientador durante a especialização, mestrado e doutorado na Fiocruz, um dos mais respeitados grupos de pesquisas paleoparasitológicas em todo o mundo”, contou. Em 2011, o livro Fundamentos da Paleoparasitologia, de Ferreira da Silva, Araújo e Karl Reinhard, um pesquisador da Universidade de Nebraska, nos Estados Unidos, ganhou o Prêmio Jabuti na categoria Ciências Naturais. “Mesmo com essa premiação, essa área do conhecimento ainda é pouco conhecida, nas escolas e até mesmo nas universidades”, contextualizou.


A partir da esq.: Fernanda Guimarães, a ilustradora Leila, sua irmã; e Daniela Leles (Foto: Divulgação)


Uma das contribuições da Paleoparasitologia é fornecer subsídios para uma melhor compreensão da história das doenças e de como elas afetaram o homem, há milhares de anos, e ainda podem nos afetar. “Nós identificamos, por exemplo, um parasito intestinal chamado Giardia duodenalis, que acomete humanos atualmente, e já estava presente na preguiça terrícola, animal extinto no final do Pleistoceno (a Era do Gelo, que durou de 2,5 milhões a 11.700 anos atrás). Outro exemplo é o caso da Leishmania tarentolae. Ela sempre foi classificada pelos pesquisadores como não-patogênica para humanos, ou seja, incapaz de causar doenças. Porém, ao estudarmos uma múmia encontrada no porão de uma igreja na cidade mineira de Itacambira, de um indivíduo que viveu ali no final do século XVIII, durante o período colonial, e atualmente está resguardada no acervo da Fiocruz, observamos vestígios desse tipo de Leishmania na sua medula óssea, o que coloca em dúvida a hipótese científica de que esse parasito sempre tenha sido não-patogênico aos humanos, e de que não possa nos infectar”, detalhou Daniela, se referindo ao artigo assinado por ela e colegas (Shênia Novo, Raffaella Bianucci e Adauto Araujo) na revista médica Parasites & Vectors, intitulado Leishmania tarentolae molecular signatures in a 300 hundred-years-old human Brazilian mummy.

Depois de ter realizado mais de 20 visitas às escolas públicas de Niterói nos últimos anos para divulgar seu projeto, e participado de vários eventos sobre Divulgação Científica promovidos pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), UFF e Fiocruz, Daniela afirma que o assunto tem um grande potencial para atrair o interesse de crianças e jovens pela ciência. “Nós, pesquisadores, quando em contato direto com essas crianças, vemos o quão importante é realizar esse trabalho de base. Elas despertam o melhor de nós, nos fazem voltar no tempo e relembrar as coisas boas que vimos na nossa educação básica e que nos trouxeram até aqui. Quem sabe algumas dessas crianças não serão futuros paleoparasitologistas? Que esse incentivo comece desde a primeira infância. Não à toa, a personagem do livro infantil é uma pesquisadora, mulher, para também incentivar a participação das meninas na ciência”, disse. Ela lembrou ainda que os materiais didáticos estão sendo pensados para ajudar a promover a inclusão das crianças com necessidades especiais. “Vimos o potencial do projeto para integração dessas crianças”, completou.

Além de apresentar a história da Paleoparasitologia, seus materiais de estudo e grandes descobertas, cada capítulo do livro traz sugestões de atividades que podem ser realizadas com estudantes de diferentes faixas etárias. “Por se tratar de um material de acesso aberto, ele pode ser usado no contexto da educação remota nesse momento da pandemia causada pelo novo coronavírus, seja em um contexto formal de ensino ou não, mostrando um tema que dificilmente os estudantes teriam acesso na matriz curricular”, sugeriu Daniela, que pretende lançar novos produtos didáticos, dessa vez com enfoque na pré-história do município de Niterói. “Tivemos recentemente um projeto aprovado no edital Programa de Desenvolvimento de Projetos Aplicados, lançado pela Fundação Euclides da Cunha, da UFF, e pela Prefeitura de Niterói. Vamos trabalhar em parceria com o Museu de Arqueologia de Itaipu e outras instituições”, adiantou.




Autor: FAPERJ
Fonte: FAPERJ
Sítio Online da Publicação: FAPERJ
Data: 06/08/2020
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=4038.2.5

Nenhum comentário:

Postar um comentário