Fechando o ciclo de palestras sobre bactérias Gram-negativas na terapia intensiva, um dos destaques do primeiro dia do 32ºEuropean Congress of Clinical Microbiology & Infectious Diseases (ECCMID 2022) foi para as infecções causadas por bactérias não fermentadoras.
Veja agora alguns dos pontos discutidos em relação a diagnóstico e tratamento dessas infecções.
Novas estratégias diagnósticas
Dentre as infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS), a pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV) tem especial importância devido à dificuldade de diagnóstico e alta mortalidade associada. Uma das dificuldades no manejo de PAV é a presença frequente de organismos multirresistentes.
Como a instituição de tratamento adequado de forma precoce é um dos fatores para melhora de desfecho, a identificação do agente etiológico e determinação de seu padrão de suscetibilidade devem estar disponíveis o mais rápido possível. Métodos clássicos baseados em crescimento de cultura levam no mínimo 48h para fornecer esses resultados.
Nesse sentido, o uso de testes diretos de suscetibilidade antimicrobiana – aplicados diretamente em amostras biológicas, sem esperar isolamento em cultura – podem conferir agilidade na adequação da terapia instituída.
Estudos demonstraram boa sensibilidade, com alto valor preditivo negativo, exceto para amicacina e gentamicina, e redução no tempo para disponibilização dos resultados em 24h.
Outras ferramentas que estão sendo avaliadas são painéis de testes moleculares baseados em síndromes. De forma semelhante aos painéis já existentes para infecções respiratórias e de sistema nervoso central, esses testes são aplicados conforme a síndrome clínica apresentada (no caso, PAV), com alvo para as principais bactérias envolvidas.
Os estudos que avaliaram essa metodologia até o momento mostraram boa performance na identificação de organismos não fermentadores, como Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumannii e Stenotrophomonas maltophilia.
Considerações sobre o tratamento
Como dito anteriormente, o tratamento de bactérias não fermentadoras frequentemente é complicado por organismos resistentes. P. aeruginosa, A. baumannii e S. maltophilia são os principais agentes de interesse como causadores de PAV e algumas considerações foram discutidas na sessão.
Pseudomonas aeruginosa
É o bacilo Gram-negativo mais frequentemente isolado em UTIs e a bactéria mais frequentemente isolada nas vias aéreas.
PAV por P. aeruginosa está associada a alta mortalidade, entre 40 e 69%, apresentando também um alto índice de recorrência (aproximadamente 30%).
Entre os fatores associados a falha terapêutica, encontram-se: idade, presença de pelo menos uma condição crônica, limitação de suporte de vida, SOFA elevado, bacteremia por P. aeruginosa e uso de quinolona antes do primeiro episódio de PAV por P. aeruginosa.
Diferentes estudos sobre tempo de tratamento não encontraram diferença em desfechos como mortalidade e recorrência entre pacientes em que foram instituídos tratados curtos (8 dias) e os com tratamentos mais longos (15 dias).
Entretanto, uma meta-análise de estudos com dados de recorrência especificamente em pacientes com PAV por não fermentadores mostrou, de forma estatisticamente significativa, maior recorrência no braço de tratamento curto.
Em relação ao tratamento com monoterapia ou terapia combinada, destaca-se que há poucos dados na literatura. Embora monoterapia esteja associada a maior chance de terapia inicial inadequada, estudos têm demonstrado que o uso de terapia combinada ou monoterapia adequada não influencia mortalidade, tempo de hospitalização ou recorrência.
Para organismos com múltiplas resistências, contudo, a monoterapia parece estar associada a maior mortalidade.
Stenotrophomonas maltophilia
PAV por S. maltophilia geralmente ocorre em pacientes com ventilação mecânica prolongada ou com mais de 5 dias de hospitalização.
S. maltophilia é um organismo com importante padrão de resistência intrínseca, como a betalactâmicos, quinolonas e aminoglicosídeos.
PAV por S. maltophilia está associada a altos índices de mortalidade, variando entre 23 e 77%, sendo maior em pacientes oncológicos e com bacteremia concomitante.
De forma semelhante ao que ocorre na PAV por P. aeruginosa, a administração de monoterapia está associada a maior chance de terapia inadequada. Tratamento empírico considerado eficaz é estimado em somente 30%.
Entretanto, não se encontrou benefício em mortalidade com terapia combinada ou com terapia prolongada por mais de 7 dias.
Antibioticoterapia inalatória
Um dos pontos de discussão no tratamento de infecções pulmonares por não fermentadores é o uso de antibióticos por via inalatória como terapia adjuvante. Os resultados de dois estudos foram apresentados.
IASIS: estudo randomizado e duplo-cego de fase 2 com 143 pacientes que comparou a administração de amicacina/fosfomicina ou placebo por via inalatória por 10 dias ou até extubação, associados à terapia padrão, no tratamento de PAV comprovadamente causada por Gram-negativos. O desfecho primário foi mudança no escore CPIS em relação ao basal. Não houve diferença no desfecho primário entre os grupos, assim como em mortalidade. O grupo que recebeu terapia inalatória apresentou significativamente menos culturas de secreção traqueal positivas nos dias 3 e 7 quando comparados com os pacientes do grupo placebo.
INHALE: estudo randomizado e duplo-cego de fase 3 com dados de 508 pacientes que comparou administração de amicacina ou placebo por via inalatória, em associação ao tratamento padrão, por 10 dias em pacientes adultos com PAV por Gram-negativos multirresistentes. O desfecho primário foi sobrevivência nos dias 28 a 32. Assim como no IASIS, não houve diferença entre os grupos.
Autor: Isabel Cristina Melo Mendes
Fonte: PEBMED
Sítio Online da Publicação: PEBMED
Data: 24/04/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/eccmid-2022-infeccoes-por-organismos-nao-fermentadores/
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