Grupo de brasileiras que trabalham com IA no Labnec em workshop no UCL: Liana Portugal (Uerj), Mirtes Pereira (UFF), Janaina Mourão Miranda (UCL) Letícia de Oliveira e Isabel David (UFF) (Fotos: arquivo pessoal)
Professora e uma das coordenadoras do Laboratório de Neurofisiologia do Comportamento (Labnec) da UFF, Letícia conta que está se sentindo muito honrada com a premiação, principalmente porque homenageia “uma das mulheres que mais admiro e que sempre me inspirou, a psiquiatra Nise da Silveira”, escreveu em uma de suas redes sociais. Segundo ela, o prêmio é fruto de um trabalho coletivo do Labnec, em parceria com University College London (UCL), na capital inglesa.
Desde 2015 apoiada em suas pesquisas pelo programa Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ, Letícia conta que soube do prêmio na véspera do encerramento das inscrições. “Estava checando novidades nas redes sociais quando vi um post do deputado estadual Waldeck Carneiro (professor na Faculdade de Educação da UFF) sobre o prêmio. Assim que vi o nome Nise da Silveira procurei saber mais e a existência de uma categoria que reconhecia a inovação na área de saúde mental, me levou a decidir fazer a inscrição”, conta Letícia.
Em sua 1ª edição, o Prêmio “Nise da Silveira de Boas Práticas e Inclusão em Saúde Mental" é uma forma de reconhecimento e incentivo às pessoas e instituições que contribuíram ou têm contribuído ativamente na política de cuidado sustentada no respeito integral às pessoas que se encontram em sofrimento psíquico e situação de vulnerabilidade. Este prêmio foi proposto pelo deputado estadual Waldeck Carneiro em coautoria com os deputados Flávio Serafini, Carlos Minc e André Ceciliano. Homenagem à psiquiatra Nise da Silveira, pioneira na humanização do tratamento mental no Brasil, o prêmio consiste em um diploma de menção honrosa concedido anualmente a até oito homenageados em diferentes áreas, selecionados por uma comissão avaliadora.
A Inteligência Artificial passou a fazer parte das pesquisas de Letícia a partir de 2010, em seu de pós-doutorado em colaboração de pesquisadores da University College London. Pioneira na aplicação desta abordagem experimental inovadora no Brasil, Letícia publicou 12 artigos sobre o tema em revistas indexadas internacionais e conquistou o primeiro lugar no Prêmio Mercosul de Ciência e Tecnologia - Edição 2020, na categoria “Pesquisador Sênior”. Naquele ano, também foi contemplada no prêmio “25 Mulheres Cientistas da América Latina”, promovido pela 3M.
As imagens cerebrais são divididas em milhares de voxels que possuem um valor numérico representando a atividade cerebral. Esta matriz numérica é fornecida ao algoritmo de inteligência artificial. Na fase de treino, exemplos desta matriz de pacientes e controles são apresentados ao algoritmo e ele aprende uma função de predição distinguindo os grupos. Esta função de predição é aplicada a um novo indivíduo (não utilizado no teste) para predizer, com base apenas no padrão de ativação cerebral, a qual grupo ele pertence. Este é um exemplo fictício, onde se percebe que o novo indivíduo é claramente “paciente”
A detecção precoce de sintomas ou sinais que representem risco a transtornos mentais é um dos grandes desafios da psiquiatria atual e a chance de os pacientes receberem um tratamento precoce que interrompa o transtorno antes que ele se manifeste completamente. A inteligência artificial, especialmente o aprendizado de máquina (machine learning) associada à metodologia de reconhecimento de padrões pode trazer grandes contribuições para a psiquiatria quando aplicada à neuroimagem funcional. Um dos primeiros trabalhos de Letícia mostrou que inteligência artificial aplicada a exames cerebrais pode auxiliar na predição de quais adolescentes saudáveis, filhos de pacientes com transtorno bipolar, poderão apresentar transtorno do humor no futuro.
Letícia explica que a maioria dos transtornos mentais como depressão, bipolaridade, esquizofrenia se manifesta cedo, entre o final da adolescência e o início da vida adulta. Como ainda hoje os tratamentos são pouco eficientes, na maioria dos casos, muitos pacientes passam a ter limitações ao longo de toda a vida. “Capturar mudanças sutis no padrão de ativação cerebral antes do aparecimento completo dos sintomas, evitando o primeiro surto, é importante para nortear as famílias que, em geral, não conseguem identificar os sintomas e muito menos lidar com os distúrbios mentais”, esclarece.
Letícia de Oliveira: para ela, a Inteligência Artificial aplicada à neuroimagem pode trazer grandes contribuições à Psiquiatria
Outro estudo coordenado pela pesquisadora em 2021 revelou, pela primeira vez, que por meio de algoritmos de inteligência artificial é possível detectar as alterações de atividade cerebral associadas aos sintomas e níveis de mania. Por seu um dos sintomas que representam susceptibilidade ao desenvolvimento do transtorno bipolar, podem fornecer biomarcadores neurais para ajudar na identificação precoce do risco individual de desenvolvimento da bipolaridade em adultos jovens.
Ao longo de 2022, Letícia dedicou-se ao estudo da aplicação da inteligência artificial ao Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT) a partir de imagens cerebrais. Participantes com e sem o transtorno, observavam dentro da máquina de ressonância magnética funcional, imagens muito desagradáveis que induziam forte resposta cerebral. A aplicação da inteligência artificial (machine learning) no padrão de respostas cerebrais permitiu que o algoritmo aprendesse as pontuações deste transtorno para cada participante com base apenas na maneira como o cérebro responde a estas imagens desagradáveis, mostrando uma associação entre a atividade cerebral para estas imagens e a capacidade de predição da gravidade do transtorno do estresse pós-traumático.
Grupo do UCL em um workshop de Inteligência Artificial
Ainda em 2022, nessa mesma linha de pesquisa, a neurocientista coordenou junto a um grupo multidisciplinar o projeto Psicovida (https://www.psicovida.org/), destinado a investigar a saúde mental dos profissionais que estiveram na linha de frente do atendimento aos pacientes de Covid-19 durante a pandemia. Devido ao distanciamento, a pesquisa foi feita por meio de preenchimento online de questionários padronizados para aferir sintomas destes transtornos e posterior uso da inteligência artificial para predição dos níveis de depressão e Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Os algoritmos de machine learning foram capazes de realizar uma predição significativa dos sintomas de depressão e transtornos de estresse pós-traumáticos baseados nas respostas dos profissionais de saúde sobre a sua percepção de valorização profissional, estresse pelo isolamento social, dentre outros fatores.
“Vimos que um fator de grande peso para predição, e, portanto, importante para evitar a depressão e o TEPT, é a valorização do profissional como fator de proteção. Outro fator de grande peso na predição foi o estresse percebido decorrente do isolamento familiar, sinalizando que este é um fator de vulnerabilidade para o desenvolvimento destes transtornos”, explica Letícia. Para ela, o resultado desse trabalho pode servir de base para a elaboração de políticas públicas que minimizem o sofrimento e reduzam o desenvolvimento de patologias graves como o TEPT em futuras pandemias.
Para a pesquisadora, a Inteligência Artificial, especialmente o aprendizado por máquina (machine learning) associado à metodologia de reconhecimento de padrões pode trazer grandes contribuições para a Psiquiatria. “O objetivo do estudo é capturar mudanças sutis no padrão de ativação cerebral antes do aparecimento completo dos sintomas, evitando o primeiro surto”, explica Letícia. Apoiada pela FAPERJ desde 2006, Letícia é uma das coordenadoras da área de Ciências Biológicas da Fundação, auxiliando a Diretoria Científica na análise de projetos submetidos aos editais de fomento e de relatórios científicos, dentre outras atribuições.
Autor: Paula Guatimosim
Fonte: Agência FAPESP
Sítio Online da Publicação: FAPESP
Data: 08/12/2022
Publicação Original: https://www.faperj.br/?id=244.7.0
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