A Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz) e a Fiocruz Mato Grosso do Sul (MS) vêm a público manifestar seu apoio aos Povos Guarani e Kaiowá do MS que, sistemática e historicamente, têm seus direitos humanos violados pelo avanço do agronegócio sobre seus territórios. Situação essa agravada nas últimas semanas, com os atos de violência sobre as comunidades, em especial, do município de Douradina.
O Mato Grosso do Sul é o terceiro estado com a maior população indígena no Brasil e também um dos mais violentos contra essa população, conforme denunciam os relatórios do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) há décadas. As violências contra os povos Guarani e Kaiowá são inúmeras e igualmente inúmeras são as denúncias realizadas com pouca ação de proteção do Estado ao longo de anos. Em 2021, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil denunciou o governo brasileiro no Tribunal Penal Internacional de Haia sobre a ineficiência na proteção dos povos indígenas. Em 2022, transnacionais e agropecuaristas vinculados ao Agronegócio local, o governo estadual e o federal foram condenados pelo júri internacional do Tribunal Permanente dos Povos em Defesa dos Povos do Cerrado pelo etnocídio dos povos indígenas do estado. Houve visitas da Relatora do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) nos territórios indígenas do Mato Grosso do Sul e incidências da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ambas cobrando do governo brasileiro, a proteção dos Guarani e Kaiowá, a última há mais de duas décadas. Proteção essa muito frágil, mas que tem conferido minimamente a salvaguarda dessa população em alguns territórios de conflito.
Desde 2013, sob a liderança de diferentes unidades da Fiocruz, estudos conduzidos no Cone Sul do Mato Grosso do Sul têm evidenciado que a insegurança alimentar é um dos principais fatores para a persistência de doenças infecciosas contagiosas, como a tuberculose. Além disso, o modelo de desenvolvimento pelo agronegócio tem deixado as populações indígenas sitiadas, afetando profundamente seu modo de vida e causando sérios problemas sociais e econômicos. Mesmo em aldeias efetivamente demarcadas, os indígenas enfrentam constantes ameaças e vivem sob tensão em seus territórios. Esses achados ressaltam a importância de políticas públicas voltadas para a segurança alimentar e a proteção dos direitos indígenas como estratégias cruciais na luta contra essas doenças e na promoção da justiça social.
Documentos produzidos por uma equipe de profissionais de diferentes instituições públicas locais, dentre elas a Fiocruz, compuseram os requerimentos de proteção aos povos Guarani e Kaiowá para a CIDH, denunciam e evidenciam cientificamente outros tipos de violência cotidiana aos povos indígenas: a exposição excessiva a diferentes agrotóxicos, a insegurança alimentar e o impacto nos modos de vida, que intensificam as violações de direitos humanos básicos.
Recentemente a Abrasco lançou o relatório “Território, Ambiente e Saúde dos Povos Indígenas – Vidas e Políticas Públicas em Contínuo Estado de Emergência”. Há um capítulo que mergulha nesse contexto dos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e os povos originários. O documento sugere caminhos para superar as dificuldades e desafios, com proposições concretas para o enfrentamento da atual crise sanitária dos povos originários.
Devido à fragilidade da condição Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul, desde o início desse ano foi estabelecido um Gabinete de Crise no Ministério dos Povos Indígenas, que objetiva articular parcerias interministeriais e intersetoriais, que inclui o Ministério da Saúde, Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) e Fiocruz, na busca de resoluções para o contexto de violação de direitos. Logo após os primeiros ataques contra a população Guarani e Kaiowá nesse mês de julho, entre outras ações emergenciais, uma comitiva interministerial esteve presente nos territórios, no sentido de construir estratégias de ajuda humanitária e coibir a ação truculenta sobre as retomadas, inclusive com o estabelecimento da Força Nacional para a salvaguarda das pessoas.
Reafirmamos que para garantir os direitos à saúde e promovê-la junto e com os povos originários é imprescindível a garantia de autonomia e seguridade dos mesmos sobre seus territórios, conforme o posicionamento recente da Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, sobre o conflito.
No dia 5 de agosto, o Tribunal Regional Federal da Terceira Região suspendeu a reintegração de posse à TI de Panambi Lagoa Rica que, nesse momento, é a área de maior conflito no estado. Uma vitória dos povos Guarani e Kaiowá e de todos os povos originários do país. Contudo, é importante ressaltar que essa vitória não significa, na luta dos povos indígenas, um apontamento para a resolução dos conflitos.
Em consonância com a missão estratégica da Fiocruz, assim como o compromisso ético do seu conjunto de trabalhadoras e trabalhadores que atuam na promoção da saúde, na redução das iniquidades sociais que valoriza a diversidade étnica, racial e cultural, repudiamos o uso de violência simbólica e física contra os povos indígenas no Mato Grosso do Sul, defendemos a necessidade de se fazer garantir o direito a suas terras, condição fundamental na garantia do direito à saúde e bem viver dos povos originários.
Autor: VPAAPS/Fiocruz
Fonte: VPAAPS/Fiocruz
Sítio Online da Publicação: VPAAPS/Fiocruz
Data: 09/08/2024
Nenhum comentário:
Postar um comentário