Agência FAPESP* – Em artigo publicado na revista Trends in Biochemical Sciences, a professora do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) Alicia Kowaltowski defende a necessidade de atualizar os livros didáticos no que se refere às informações sobre a localização da cadeia de transporte de elétrons nas mitocôndrias e o papel do sódio na respiração mitocondrial.
Kowaltowski é integrante do Centro de Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP.
O artigo, escrito em colaboração com Fernando Abdulkader, professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, destaca algumas novas descobertas sobre mecanismos de fosforilação oxidativa, incluindo um estudo inovador publicado na revista Cell pelo espanhol José Antonio Enríquez, do Spanish National Centre for Cardiovascular Research, e sua equipe, que revelou o papel inesperado do sódio na manutenção do potencial de membrana mitocondrial.
“O conhecimento evolui e o que apresentamos para os estudantes também deve evoluir”, argumenta a professora do IQ-USP. “Até alguns anos atrás, tínhamos certeza de que as mitocôndrias produziam ATP por fosforilação oxidativa no espaço em que a membrana interna interage com a externa. Isso mudou, pois descobrimos que esse processo ocorre dentro das cristas mitocondriais. Os livros didáticos estão errados e está na hora de corrigir isso. Agora, com o trabalho do grupo do Enríquez, descobrimos que a propriedade do potencial de membrana também pode ser um pouco diferente, algo ainda não abordado nos livros didáticos.”
Conhecida como “moeda energética”, a adenosina trifosfato (ATP) é gerada nas mitocôndrias por meio de fosforilação oxidativa – um processo de transferência de energia impulsionado por gradientes elétricos e de prótons através da membrana interna mitocondrial. Esse mecanismo envolve o acoplamento da oxidação gradual de doadores de elétrons na cadeia de transporte de elétrons ao bombeamento de prótons através da membrana, gerando o gradiente eletroquímico necessário para a síntese de ATP.
Sódio e potencial de membrana
Já se sabe há tempos que o gradiente de prótons nas mitocôndrias é pequeno, devido aos mecanismos de tamponamento celular que estabilizam o pH. Por isso, o gradiente de carga tem sido considerado o componente dominante do bombeamento de prótons. Até recentemente, esse gradiente era atribuído ao potássio, o cátion mais abundante na célula.
No entanto, o estudo do grupo de Enríquez revelou que entre 30% e 50% desse gradiente pode ser atribuído ao sódio, transportado em troca de prótons dentro do complexo I da cadeia de transporte de elétrons.
O complexo I transfere elétrons, que vêm inicialmente da nossa comida, da coenzima nicotinamida adenina dinucleotídeo (NADH), para os outros complexos na cadeia. Uma parte desse complexo, no entanto, desempenha uma função adicional como trocador de íons de sódio por prótons.
“Esse estudo traz duas contribuições importantes: a identificação de uma segunda função fundamental do complexo I e a demonstração do papel do sódio na manutenção do potencial de membrana das mitocôndrias”, afirma Enríquez.
Segundo Kowaltowski e Abdulkader, embora a descoberta seja inesperada, devido à baixa concentração de sódio dentro das células, o artigo de Enríquez apresenta dados convincentes. Os pesquisadores utilizaram inúmeros modelos experimentais, incluindo mutantes de componentes da cadeia respiratória, além de diversas abordagens metodológicas, como o uso de diferentes ionóforos e meios depletados de sódio. Os experimentos envolveram medições bioenergéticas quantitativas cuidadosas, incluindo raras quantificações calibradas do potencial de membrana.
O estudo também revela que uma mutação pontual no complexo I associada à neuropatia óptica hereditária de Leber (LHON) dificulta especificamente a troca de sódio por prótons, sem afetar o transporte de elétrons ou o bombeamento de prótons pelo complexo. A neuropatia óptica hereditária de Leber é uma doença mitocondrial neurodegenerativa que afeta o nervo óptico, frequentemente causando perda de visão em jovens adultos.
Para Kowaltowski, “os pesquisadores não apenas descrevem um novo mecanismo central para o metabolismo energético, mas também o relacionam diretamente a uma doença”.
O artigo Textbook oxidative phosphorylation needs to be rewritten pode ser acessado em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0968000424002548?via%3Dihub.
Com informações do Redoxoma.
Autor: Agência FAPESP
Fonte: Agência FAPESP
Sítio Online da Publicação: Agência FAPESP
Data: 10/02/2025
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