A bióloga Marcella Bergamini de Baptista: foco na gangliosidose GM1, doença neurodegenerativa
Os erros inatos do metabolismo (EIM) formam um grupo de doenças genéticas relacionadas a alterações em processos bioquímicos do organismo. A maioria dos EIM se manifesta na faixa etária pediátrica, mas pode ocorrer em qualquer idade. Até o momento, mais de 550 doenças metabólicas são conhecidas. Se consideradas de maneira isolada, a incidência de cada uma delas é rara.
A bióloga Marcella Bergamini de Baptista propôs em sua tese de doutorado a utilização do Dario rerio ou zebrafish, mais conhecido como peixe Paulistinha, como modelo animal para o estudo da gangliosidose GM1, uma doença neurodegenerativa causada pela diminuição da enzima beta-galactosidase, que leva ao acúmulo de gangliosídeos dentro dos lipossomos. A tese, orientada pelos professores Carlos Eduardo Steiner e Cláudia Vianna Maurer Morelli, ficou em primeiro lugar durante a X Semana de Pesquisa da FCM, que reuniu mais de 140 trabalhos desenvolvidos por grupos de pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas e da Unicamp.
O gangliosídeo GM1 está presente na membrana celular de todos os tecidos dos vertebrados. O crescimento e maturação do sistema nervoso central são influenciados pelos gangliosídeos. O cérebro contém a maior quantidade de GM1, com um a dois gramas de sua composição. “A principal característica da gangliosidose é o acúmulo progressivo de macromoléculas. Quase dois terços dos pacientes apresentam neurodegeneração em uma região específica do cérebro, antes de afetar todo o sistema nervoso central”, explica Marcella.
A gangliosidose GM1 é classificada em três formas clínicas de acordo com a idade, atividade enzimática e gravidade. A do tipo I (ou forma infantil) tem início até o sexto mês de vida e evolui de forma rápida. Os pacientes podem apresentar falta de apetite e dificuldade de sucção, disartria, disfagia, tremores nas mãos, rigidez nos braços e pernas e dificuldade para andar.
As características principais do tipo II (ou juvenil) são o atraso no desenvolvimento do sistema motor e cognitivo, lipidose neuronal e dismorfismos esqueléticos. Já a do tipo III (ou adulta) tem a distonia – movimento involuntário que pode ocorrer em qualquer região do corpo – como principal manifestação neurológica, além de deformidades esqueléticas e dificuldades para falar e andar.
“Atualmente não existem tratamentos efetivos para a gangliosidose GM, apenas terapias de apoio. Modelos animais são estudados para entender as bases molecular e celular da doença, além de testes para novos tratamentos e medicamentos antes do uso em humanos”, afirma a bióloga.
Semelhante aos humanos
Ratos e camundongos são tradicionalmente utilizados em pesquisa sobre gangliosidose GM1. Entretanto, esses modelos animais não permitem a observação de todos os aspectos clínicos da doença. Nesse sentido, o zebrafish possui vantagens na manipulação genética para o estudo de doenças de depósito lipossômicas (DDL).
Uma das vantagens do zebrafish é possuir uma grande parte dos órgãos e sistemas similares ao dos humanos – 70% dos genes são semelhantes ao genoma humano –, sendo que o seu genoma completo está disponível em bancos de dados. Um casal de peixes pode ter até 200 embriões por semana, o que permite gerar uma mostra estatisticamente relevante por um baixo custo.
“Os peixes são transparentes durante as fases iniciais. Quando há manipulação genética no embrião, os fenótipos tendem a se manifestar durante o estágio larval, o que torna possível uma avaliação in vivo não invasiva. Até o momento, menos de seis DDL foram reproduzidas em zebrafish. O objetivo da pesquisa foi caracterizar o peixe para estudos funcionais do gene glb1”, conta a pesquisadora.
A obtenção de embriões foi por meio de acasalamento natural. A bióloga usou a técnica de morfolino (MO), que consiste na microinjeção de oligonucleotídeos antisense nos peixes ainda na fase de embrião para silenciar temporariamente a expressão da enzima beta-galactosidade do gene glb1 nas larvas.
Os animais foram observados diariamente, desde a fertilização até o quinto dia, quando o MO começa a perder sua função de inibição. Após 96 horas do período de fertilização, as alterações esqueléticas cartilaginosas ficaram evidentes. Com 120 horas, em cinco animais foi observada a progressão das malformações.
“Dois dias pós-fertilização, a alteração de face nos embriões de zebrafish era sutil, porém com sugestiva correspondência ao engrosseiramento facial observado nos pacientes com gangliosidose GM1. Os animais também apresentaram funções neurológicas alteradas”, informa Marcella Baptista.
De acordo com a pesquisadora da Unicamp, para essa doença, manipulável em laboratório, nenhum outro modelo animal apresentou alterações no desenvolvimento ósseo ao ter o gene glb1 silenciado como o zebrafish. Até o momento, o zebrafish tem se apresentado como um futuro modelo animal válido para o estudo da beta-galactosidase.
“Um único animal não consegue contemplar todos os sinais e sintomas de uma mesma doença. Por isso, os resultados de zebrafish complementam a pesquisa da gangliosidose GM1, juntamente com os outros modelos animais estudados até o momento. Apesar dos bons resultados, maiores pesquisas são necessárias para um conhecimento mais completo com relação à doença nesse animal”, diz a autora da tese.
Autor: EDIMILSON MONTALTI
Fonte: Unicamp
Sítio Online da Publicação: Unicamp
Data de Publicação: 26/01/2018
Publicação Original: https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2018/01/25/zebrafish-e-aposta-na-investigacao-de-doencas-raras
Os erros inatos do metabolismo (EIM) formam um grupo de doenças genéticas relacionadas a alterações em processos bioquímicos do organismo. A maioria dos EIM se manifesta na faixa etária pediátrica, mas pode ocorrer em qualquer idade. Até o momento, mais de 550 doenças metabólicas são conhecidas. Se consideradas de maneira isolada, a incidência de cada uma delas é rara.
A bióloga Marcella Bergamini de Baptista propôs em sua tese de doutorado a utilização do Dario rerio ou zebrafish, mais conhecido como peixe Paulistinha, como modelo animal para o estudo da gangliosidose GM1, uma doença neurodegenerativa causada pela diminuição da enzima beta-galactosidase, que leva ao acúmulo de gangliosídeos dentro dos lipossomos. A tese, orientada pelos professores Carlos Eduardo Steiner e Cláudia Vianna Maurer Morelli, ficou em primeiro lugar durante a X Semana de Pesquisa da FCM, que reuniu mais de 140 trabalhos desenvolvidos por grupos de pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas e da Unicamp.
O gangliosídeo GM1 está presente na membrana celular de todos os tecidos dos vertebrados. O crescimento e maturação do sistema nervoso central são influenciados pelos gangliosídeos. O cérebro contém a maior quantidade de GM1, com um a dois gramas de sua composição. “A principal característica da gangliosidose é o acúmulo progressivo de macromoléculas. Quase dois terços dos pacientes apresentam neurodegeneração em uma região específica do cérebro, antes de afetar todo o sistema nervoso central”, explica Marcella.
A gangliosidose GM1 é classificada em três formas clínicas de acordo com a idade, atividade enzimática e gravidade. A do tipo I (ou forma infantil) tem início até o sexto mês de vida e evolui de forma rápida. Os pacientes podem apresentar falta de apetite e dificuldade de sucção, disartria, disfagia, tremores nas mãos, rigidez nos braços e pernas e dificuldade para andar.
As características principais do tipo II (ou juvenil) são o atraso no desenvolvimento do sistema motor e cognitivo, lipidose neuronal e dismorfismos esqueléticos. Já a do tipo III (ou adulta) tem a distonia – movimento involuntário que pode ocorrer em qualquer região do corpo – como principal manifestação neurológica, além de deformidades esqueléticas e dificuldades para falar e andar.
“Atualmente não existem tratamentos efetivos para a gangliosidose GM, apenas terapias de apoio. Modelos animais são estudados para entender as bases molecular e celular da doença, além de testes para novos tratamentos e medicamentos antes do uso em humanos”, afirma a bióloga.
Semelhante aos humanos
Ratos e camundongos são tradicionalmente utilizados em pesquisa sobre gangliosidose GM1. Entretanto, esses modelos animais não permitem a observação de todos os aspectos clínicos da doença. Nesse sentido, o zebrafish possui vantagens na manipulação genética para o estudo de doenças de depósito lipossômicas (DDL).
Uma das vantagens do zebrafish é possuir uma grande parte dos órgãos e sistemas similares ao dos humanos – 70% dos genes são semelhantes ao genoma humano –, sendo que o seu genoma completo está disponível em bancos de dados. Um casal de peixes pode ter até 200 embriões por semana, o que permite gerar uma mostra estatisticamente relevante por um baixo custo.
“Os peixes são transparentes durante as fases iniciais. Quando há manipulação genética no embrião, os fenótipos tendem a se manifestar durante o estágio larval, o que torna possível uma avaliação in vivo não invasiva. Até o momento, menos de seis DDL foram reproduzidas em zebrafish. O objetivo da pesquisa foi caracterizar o peixe para estudos funcionais do gene glb1”, conta a pesquisadora.
A obtenção de embriões foi por meio de acasalamento natural. A bióloga usou a técnica de morfolino (MO), que consiste na microinjeção de oligonucleotídeos antisense nos peixes ainda na fase de embrião para silenciar temporariamente a expressão da enzima beta-galactosidade do gene glb1 nas larvas.
Os animais foram observados diariamente, desde a fertilização até o quinto dia, quando o MO começa a perder sua função de inibição. Após 96 horas do período de fertilização, as alterações esqueléticas cartilaginosas ficaram evidentes. Com 120 horas, em cinco animais foi observada a progressão das malformações.
“Dois dias pós-fertilização, a alteração de face nos embriões de zebrafish era sutil, porém com sugestiva correspondência ao engrosseiramento facial observado nos pacientes com gangliosidose GM1. Os animais também apresentaram funções neurológicas alteradas”, informa Marcella Baptista.
De acordo com a pesquisadora da Unicamp, para essa doença, manipulável em laboratório, nenhum outro modelo animal apresentou alterações no desenvolvimento ósseo ao ter o gene glb1 silenciado como o zebrafish. Até o momento, o zebrafish tem se apresentado como um futuro modelo animal válido para o estudo da beta-galactosidase.
“Um único animal não consegue contemplar todos os sinais e sintomas de uma mesma doença. Por isso, os resultados de zebrafish complementam a pesquisa da gangliosidose GM1, juntamente com os outros modelos animais estudados até o momento. Apesar dos bons resultados, maiores pesquisas são necessárias para um conhecimento mais completo com relação à doença nesse animal”, diz a autora da tese.
Autor: EDIMILSON MONTALTI
Fonte: Unicamp
Sítio Online da Publicação: Unicamp
Data de Publicação: 26/01/2018
Publicação Original: https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2018/01/25/zebrafish-e-aposta-na-investigacao-de-doencas-raras
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