quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

A teoria serotoninérgica da depressão

Caminhando para finalizar o ano de 2022, vamos revisar alguns trabalhos e assuntos que mobilizaram o debate público em torno da saúde mental e da psiquiatria. O primeiro desses trabalhos foi a revisão sistemática guarda-chuva feita por Moncrieff et. al e publicada na Nature, sobre a teoria serotoninérgica da depressão. A publicação deste estudo levou a interpretações diversas, inclusive àquelas que visavam desacreditar o tratamento da depressão com medicações que têm em seu mecanismo de ação a inibição serotoninérgica.


A ideia de que a depressão é o resultado de alterações químicas cerebrais, particularmente da serotonina (5-HT), foi influente por décadas e forneceu uma justificativa importante para o uso de antidepressivos. Foi na década de 1990 que esta ideia se disseminou concomitantemente com o advento dos antidepressivos Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina (ISRS).

Dificilmente encontraremos por aí profissionais bem formados que endossem a teoria serotoninérgica como o único mecanismo causal da depressão. Não obstante, apesar do relativo consenso na área sobre as limitações da teoria, a ideia de que a depressão é causada por um “desequilíbrio químico” tem muita penetrância na sociedade: 80% do público leigo acredita nela.


O objetivo do trabalho de Moncrieff et. al foi estabelecer se a evidência científica atual endossa o papel da serotonina na etiologia da depressão e, especificamente, se a depressão está associada a indicativos de diminuição de concentração ou atividade serotoninérgica.

Hipótese serotoninérgica

Para cobrir diferentes áreas e manejar o grande volume de pesquisas relacionadas ao sistema serotoninérgico, foi conduzida uma revisão do tipo “guarda-chuva”. Revisões “guarda-chuva” pesquisam as revisões sistemáticas e meta-análises existentes que são relevantes para a pergunta da pesquisa e representam um dos níveis mais elevados de síntese da evidência disponível.


Embora tradicionalmente elas sejam limitadas a revisões sistemáticas e meta-análises, os pesquisadores decidiram incluir outros estudos que consideraram a melhor evidência disponível, como grandes estudos com informações de estudos individuais, mas que não empregam técnicas de revisão sistemática, e um grande estudo genético.


As áreas de pesquisa atreladas à hipótese serotoninérgica foram separadas em seis grupos: 1) Se na depressão há baixos níveis de serotonina e seus metabólicos nos fluidos corporais; 2) Se os receptores de serotonina estão alterados em pessoas com depressão; 3) Se nas pessoas com depressão há maior quantidade de transportadores de serotonina (SERT) que removem a serotonina da fenda sináptica e, portanto, diminuem sua quantidade; 4) Se a diminuição do triptofano (precursor da serotonina) pode induzir depressão; 5) Se há maior quantidade de genes do SERT em pessoas com depressão; e 6) Se existe uma interação entre o gene do SERT e estresse na depressão.


70 estudos preencheram os critérios de inclusão do trabalho. Vamos, então, aos achados da pesquisa.


Serotonina e seu metabólito, o ácido 5-hidroxi-indolacético (5-HIAA): a serotonina pode ser medida no sangue, plasma, urina e líquor, mas ela é rapidamente metabolizada em 5-HIAA. O líquor é o fluido ideal para o estudo de biomarcadores relacionados a supostas doenças cerebrais, mas sua coleta é invasiva e envolve alguns riscos. Logo, estudos de larga escala que faça uso do líquor são raros. Estudos evidenciaram a ausência de relação entre as concentrações de serotonina e depressão.


Receptores: 40 receptores de serotonina foram identificados, mas suas relações com a depressão não estão bem estabelecidas, com os estudos focando no 5-HT1A, que inibe a liberação pré-sináptica de serotonina (logo, pessoas com depressão supostamente teriam atividade do 5-HT1A aumentada). A maioria dos resultados sugerem que não há diferença entre pessoas com depressão e controles com relação à atividade do receptor ou a uma atividade menor desses receptores nas pessoas com depressão (o que implicaria numa concentração maior de serotonina). Vale a ressalva de que a maior parte dos estudos incluíram pessoas que estavam tomando antidepressivos ou tinham tomado recentemente (entre uma e três semanas), o que poderia influenciar os achados.


Transportador de Serotonina (SERT): acredita-se que os ISRS atuam inibindo o SERT, aumentando, assim, a concentração extracelular da serotonina na fenda sináptica. Os resultados indicaram uma possível redução de SERT em algumas áreas cerebrais, embora as áreas indicadas nos estudos não fossem correspondentes. No entanto, os efeitos dos antidepressivos nos achados não podem ser descartados, uma vez que a maior parte dos estudos envolviam pessoas que tinham uma história de uso de antidepressivos ou outras medicações psiquiátricas. Se os achados forem independentes do uso de medicação, eles sugerem que a depressão é associada a maiores concentrações e atividade da serotonina.


Redução de Triptofano: a maior parte dos estudos mostra inexistência de relação. Um estudo pequeno, envolvendo pessoas com história familiar positiva para depressão, mostrou uma piora do humor nos pacientes em privação de triptofano. Estudos envolvendo pessoas diagnosticadas com depressão mostraram uma redução ligeiramente maior do humor após depleção de triptofano, mas o número de participantes era pequeno e eles estavam tomando antidepressivos. Estudos com voluntários sadios não mostraram diferença da depleção do triptofano no humor.


Gene SERT: uma relação entre depressão e a expressão reduzida do SERT tem sido proposta. Mais recentemente, tem circulado a tese de que os polimorfirmos na expressão do gene da SERT só poderiam dar origem a depressão na presença de eventos estressores. Os estudos maiores e mais recentes não encontraram correlação entre o gene da SERT e a depressão, nem entre o gene da SERT e o estresse na depressão.


Mensagem final

A conclusão dessa revisão abrangente sobre as principais linhas de pesquisa sobre a serotonina mostra que não há evidência convincente de que a depressão é associada com ou causada por concentração ou atividade reduzida da serotonina. Apesar disso, existe uma forte crença na opinião pública de que há evidências convincentes de que a depressão é o resultado de alterações na serotonina ou outras anormalidades químicas.


Essa crença modula como as pessoas compreendem seus humores e levam a expectativas negativas sobre as possibilidades de autorregulação do humor. A crença em um desequilíbrio químico também pode desencorajar as pessoas a descontinuar o uso da medicação, quando corretamente indicado. Logo, precisamos ser cautelosos nas informações que fornecemos ao público sobre os possíveis mecanismos causais da depressão.





Autor: Tayne Miranda
Fonte: pebmed
Sítio Online da Publicação: pebmed
Data: 13/12/2022
Publicação Original: https://pebmed.com.br/a-teoria-serotoninergica-da-depressao/

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