sábado, 21 de novembro de 2020

Pesquisadores da Fiocruz investigam casos de infecção por coronavírus em animais


Coleta de saguis na Mata Atlântica: objetivo é identificar o potencial de circulação do SARS-CoV-2 em animais e suas chances de transmissão para humanos (Foto: Divulgação)


A recente notícia do primeiro caso confirmado de um animal doméstico contaminado no Brasil pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) — uma gata de Cuiabá que contraiu a infecção de um dos seus cuidadores, e se manteve assintomática, conforme noticiado pelo jornal O Globo em 19 de outubro —, coloca em pauta a relação entre os animais e a doença Covid-19. Um grupo de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vem se dedicando a esse tema de estudo na região da Pedra Branca, considerada a maior floresta urbana do mundo, superior em extensão à Floresta da Tijuca, localizada entre os bairros do Recreio dos Bandeirantes e Jacarepaguá, e recoberta por área ainda preservada da Mata Atlântica.


Coordenado por Ricardo Moratelli, da Fiocruz Mata Atlântica, que vem desenvolvendo seus estudos com apoio da FAPERJ, pelo programa Jovem Cientista do Nosso Estado, o projeto visa avaliar a circulação de vírus e outros parasitas com potencial de causar doenças em animais domésticos e silvestres, entre os quais morcegos, roedores silvestres e sinantrópicos, que são aqueles que vivem próximos às residências, além de saguis, preguiças, serpentes, cães, gatos, cavalos, porcos, gado e aves de reprodução. “O maciço da Pedra Branca é cercado por comunidades com diferentes níveis de desenvolvimento social e condições sanitárias e essa floresta está sob intensa pressão pela caça e pelo desmatamento causado pela especulação imobiliária, o que pode levar a um maior contato entre humanos e microrganismos. O objetivo do projeto é determinar as taxas de infecção do SARS-CoV-2 em animais silvestres e domésticos, além de levantar a ocorrência de outros vírus circulantes na fauna silvestre”, explicou Moratelli.

O estudo, que também foi contemplado por meio da chamada Ação Emergencial Projetos para Combater os Efeitos da Covid, uma iniciativa conjunta entre a FAPERJ e a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES), e pelo edital Apoio a Grupos Emergentes de Pesquisa, não se limita à investigação dos casos de infecção em animais da região por coronavírus. “Trabalhamos com vários parasitas. Nosso objetivo é descobrir qual o nível de contato entre os animais silvestres, os animais domésticos e os humanos, e pensarmos diferentes cenários ecológicos para identificar as possibilidades de transferência de um vírus ou outro parasita de de animais para humanos”, contextualizou Moratelli. Ele contou ainda que o estudo já vinha sendo desenvolvido desde 2013 e foi intensificado ao longo dos anos. “No início, trabalhávamos principalmente analisando morcegos, para entender a diversidade de parasitas em geral nesses animais, incluindo outros vírus, protozoários e bactérias.”


Moratelli destaca a importância de conhecer a relação entre os vírus, outros parasitas e os humanos


A região da Pedra Branca foi selecionada pelo elevado contato entre animais domésticos e silvestres em área de floresta alterada, o que aumenta o risco de transferência de vírus para os seres humanos, assim como o risco de transmissão do SARS-Cov-2 de humanos para animais silvestres, como os saguis. “Por enquanto, não identificamos nenhum caso do novo coronavírus nos animais avaliados”, disse Moratelli. Como parte dos trabalhos de campo, os pesquisadores vêm coletando material biológico de animais silvestres e domésticos da região, especialmente em residências com relatos de infecções pelo novo coronavírus. “Protegidos com equipamentos de proteção individual, coletamos em vários animais amostras das mucosas nasal, oral e retal e também sangue, para verificar a presença de material genético do vírus e anticorpos, ou seja, avaliar se o animal está ou foi infectado pelo SARS-CoV-2. “Capturamos os morcegos à noite na floresta e os testamos para ver a diversidade de coronavírus em geral e outros vírus neles. Não acredito que possamos encontrar SARS-CoV-2 em morcegos, mas talvez entre os saguis e outros animais domésticos. Os saguis são capturados perto das residências e lá coletamos amostras para testar a presença de SARS-CoV-2, além de outros coronavírus, vírus respiratórios e gastroentéricos neles. Já no caso de cães e gatos, vamos até a casa das pessoas que tiveram Covid e coletamos amostras de seus animais”, detalhou. Até o momento, foram analisados 50 morcegos, 12 saguis, 40 cães e dez gatos, em mais de 30 casas. A ideia é alcançar 525 animais analisados até fevereiro.

O material genético extraído será analisado por modernas técnicas de Biologia molecular para identificação de outros vírus da família dos coronavírus. Essa parte de detecção e análise da diversidade de coronavírus é coordenada pelos laboratórios de Vírus Respiratórios e Sarampo e de Virologia Comparada e Ambiental da Fiocruz. “Existem pelo menos 40 espécies de coronavírus formalmente reconhecidos na literatura”, disse Moratelli. As amostras positivas para coronavírus em geral serão comparadas com amostras de outras localidades, disponíveis em bancos genéticos, para entender a dinâmica desses vírus nas populações animais. “A importância deste trabalho é alertar as autoridades sanitárias do Estado sobre quais vírus estão em circulação e entender os cenários ecológicos de possíveis transmissões de um vírus de uma espécie para outra, incluindo a espécie humana”, justificou.

Moratelli lembrou ainda que comparações genômicas de vírus isolados dos primeiros pacientes com outros coronavírus de humanos e animais revelaram que o SARS-CoV-2 tem alta similaridade com um coronavírus encontrado em morcegos da China, mas o vírus nunca foi detectado neles. “Os estudos experimentais preliminares indicaram que esse vírus pode infectar diversos mamíferos. A partir daí, consideramos importante saber quais animais são possíveis hospedeiros ou permissivos à infecção”, concluiu.

Participam do projeto pesquisadores da Fiocruz Mata Atlântica e de laboratórios do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), como o de Virologia Comparada e Ambiental (Marina Galvão Bueno e Marize Pereira Miagostovich); de Vírus Respiratório e Sarampo (Maria Ogrzewalska, Paola Cristina Resende Silva e Marilda Agudo Mendonça Teixeira de Siqueira); de Pesquisa Clínica em Dermatozoonoses em Animais Domésticos (Rodrigo Caldas Menezes e Sandro Antônio Pereira); e de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios (Rosana Gentile e Cecilia Andreazzi). Também integram o projeto, além de Moratelli, outros pesquisadores da Fiocruz Mata Atlântica, como Sócrates Fraga da Costa Neto, Marina Carvalho Furtado, Iuri Veríssimo, Roberto Novaes, Amarildo Miranda, Helena Medrado, Maria Alice do Amaral Kuzel, Isabel Cristina Bonna; e os colaboradores internacionais Judith Breuer, Sunando Roy e Rachel Williams, do University College of London.



Autor: Débora Motta
Fonte: Faperj
Sítio Online da Publicação: Faperj
Data: 13/11/20
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=4100.2.0

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