A difteria é uma doença respiratória bastante conhecida, causada por bactérias, e para qual já existe vacina desde o final do século XIX. Recentemente, voltou a preocupar as organizações médicas e autoridades por causar surtos – especialmente na Índia – e pelo aumento da resistência a antibióticos, diante de uma presença crescente em casos de coinfecção hospitalar. Entender o comportamento dessas bactérias, seu potencial de infecção e garantir a vigilância epidimieologica da difteria estão no foco da pesquisadora Ana Luíza de Mattos Guaraldi há 40 anos.
Ela é a coordenadora do Laboratório de Difteria e de Corinebactérias de Importância Clínica (LDCIC), da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), referência nacional e internacional para difteria e corinebacterioses. O LDCIC é responsável por realizar diagnósticos para outros laboratórios, testes de virulência e atualização de metodologias para diagnóstico. Trabalhos desenvolvidos no LDCIC relacionados com a vigilância epidemiológica demonstraram que adultos jovens têm apresentado baixos níveis de proteção contra a difteria.
As preocupações da pesquisadora são corroboradas por comunicação publicada na revista Nature no último 8 de março de autoria de pesquisadores vinculados a instituições de Índia, Estados Unidos, Rússia e Reino Unido. A pesquisa investigou 502 genomas da C. diphtheriaeexistentes em banco de dados, registro que cobre 122 anos, o que revelou uma espécie bastante diversa e que está se tornando mais resistente. O estudo encontrou 18 genes responsáveis pela produção de toxinas causadoras da difteria, o que pode indicar a necessidade de atualização na vacina.
As formas clássicas da difteria são causadas pelo Corynebacterium diphtheriae, produtor de TD, e são caracterizadas pela presença de pseudomembrana acinzentada no local de infecção devido aos efeitos da multiplicação das bactérias no tecido do hospedeiro, principalmente na garganta e na pele. "A TD é uma potente toxina capaz de disseminar pelos tecidos, especialmente para o coração, sistema nervoso e rins. Até o presente momento, a proteção contra a difteria é adquirida pela vacina preparada com toxina diftérico inativada", explica a pesquisadora. Mesmo eficaz, uma vez que a vacina é acionada pela toxina, o medicamento não é capaz de combater a presença das bactérias, e os riscos de infecção, transmissão e disseminação de bactérias causadoras de difteria podem passar despercebidos.
No Brasil, o Ministério da Saúde registrou 10 óbitos por conta da doença entre 2008 a 2019. A pesquisadora acredita que esses números sejam maiores. "Não podemos descartar a possibilidade de subnotificação de casos no Brasil e em outros países em desenvolvimento devido à falta de esclarecimento da população para a busca de atendimento médico e a dificuldade de obtenção do diagnóstico clínico-laboratorial em casos de difteria" avalia.
De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), desde 2016 a cobertura vacinal no Brasil começou a cair, incluindo a imunização com a DTP – como é chamada a vacina contra Difteria, Tétano e Coqueluche –, e em julho de 2020 a Organização emitiu um alerta para que as crianças continuem a ser imunizadas com as vacinas existentes. "Também temos conhecimento das dificuldades para acessar lugares mais remotos do País, não só para levar a vacina, como o soro de tratamento", relata.
Um dos objetivos de pesquisa de Ana Guaraldi, financiada pelo programa Cientista do Nosso Estado da FAPERJ, é estudar a capacidade de infecção e a eficácia da vacina contra Corynebacterium diphtheriae mesmo em pessoas já vacinadas, além do avanço das infecções causadas por Corynebacterium ulcerans. A meta é aprofundar o conhecimento sobre a virulência da C. ulcerans e entender os novos mecanismos da C.diphtheriae que permitem resistência à vacina. "O brasileiro tem medo das coisas quando elas explodem, como é o caso da Covid-19, mas as pessoas continuam morrendo de tuberculose, dengue, hanseníase, além de outras doenças. Então precisamos continuar nesse trabalho que chamamos de vigilância epidemiológica", diz a pesquisadora.
Ana Luiza Guaraldi enfatiza a necessidade da vigilância epidemiológica para prevenção de surtos de infecções (Foto: Arquivo pessoal)
"Na última década foi documentado que outra espécie, Corynebacterium ulcerans, também vem sendo a responsável por um maior número de casos de difteria em diversos países. Nossas pesquisas demonstraram que algumas amostras, tanto de Corynebacterium ulcerans quanto de Corynebacterium diphtheriae, mostraram-se capazes de produzir dois tipos de toxinas, ao invés de apenas a toxina diftérica”, diz a pesquisadora. Embora a emergência de infecções humanas por C. ulcerans tenha sido recentemente documentada no Brasil, tem sido crescente o número de casos reportados de difteria zoonótica e de C. ulcerans em animais domésticos (cães e gatos) em áreas urbanas.
Além dos diversos tipos de infecções causadas pelas espécies produtoras de DT – C. diphtheriae e C. ulcerans –, o que também preocupa a pesquisadora Ana Guaraldi e sua equipe é a capacidade das corinebactérias causarem coinfecções, não apenas as causadoras de difteria, mas diversas outras espécies do gênero Corynebacterium que têm sido associadas com frequência cada vez maior a infecções hospitalares e, por conta disso, iniciaram um estudo sobre diagnósticos de coinfecção em pacientes internados por Covid-19.
"Quando essas infecções estão relacionadas a espécies multirresistentes, elas são de difícil ou impossível tratamento e, por isso, nos preocupa o excesso de prescrição de antibióticos durante essa pandemia diante de uma carência de medicamentos capazes de conter novas variações das bactérias", alerta Ana Guaraldi. Ela lembra que entre os medicamentos incluídos e largamente utilizados no tratamento precoce para Covid-19 está o antibiótico azitromicina, e que estudos recentes têm indicado como medida ineficaz.
Autor: Juliana Passos
Fonte: FAPERJ
Sítio Online da Publicação: FAPERJ
Data: 11/03/2021
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=4175.2.1
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