Uma mulher num hospital. PIXABAY
Quando o carro em que Munira Abdulla viajava foi colidido por um ônibus escolar, a mulher tinha 32 anos e um filho de quatro. Antes do impacto, ao ver o que iria acontecer, abraçou com força o menino, ao lado do qual viajava no banco traseiro do carro dirigido pelo cunhado, tentando amortecer o golpe brutal. Isso aconteceu em 1991, em Al Ain, a quarta maior cidade dos Emirados Árabes Unidos (614.000 habitantes), e desde então Munira Abdulla permanecia em coma devido às lesões cerebrais graves provocadas pelo acidente. A criança, protegida pelo corpo da mãe, sofreu apenas uma ligeira contusão na cabeça.
27 anos depois, o nome dessa mulher deu a volta ao mundo porque ela recuperou a consciência, conforme relatado pelo jornal The National. Aquilo que para muitos é um milagre aconteceu há um ano em um hospital alemão, na Baviera, no qual estava sendo atendida desde 2017. Omar Webair, seu filho, que hoje tem quase a mesma idade da mãe no momento do acidente, contou agora sua história ao jornal emiradense, ao qual explicou que em nenhum momento perdeu a esperança de que a mãe pudesse se recuperar.
Depois do acidente, os médicos locais descartaram completamente a possibilidade de melhora. A mulher havia caído em um estado que é conhecido como “síndrome da consciência mínima”. Munira Abdulla esteve inicialmente internada em um hospital em Al Ain e mais tarde foi levada a Londres, onde os médicos constataram que estava em um estado vegetativo e que não respondia a estímulos.
O menino foi crescendo, mas nunca se separou da mãe. Desde muito pequeno caminhava vários quilômetros para visitá-la nos diferentes centros de saúde e casas de repouso de seu país em que esteve internada durante quase três décadas, alimentada por sonda e com contínuos exercícios de reabilitação para evitar a perda de massa muscular e de elasticidade. “Ela era como ouro para mim. Quanto mais tempo passava, mais valiosa era para mim”, contou.
Há dois anos, o príncipe herdeiro de Abu Dhabi, Mohamed Bin Sayed, soube da história e decidiu subvencionar um tratamento na Alemanha. Lá, os médicos realizaram várias operações para tratar os músculos enfraquecidos de seus membros e fizeram um tratamento para a epilepsia. Segundo o The National, Omar Webair recebia sempre a mesma resposta quando demonstrava entusiasmo aos médicos e sua esperança de que ela voltasse a falar: “Você está louco, só estamos tentando melhorar a qualidade de vida dela”.
Mas um dia algo aconteceu. Webair estava discutindo com uma pessoa no quarto do centro médico. Segundo seu depoimento, ela deve ter sentido que o filho estava ameaçado e começou a se mexer. “Três dias depois, acordei porque alguém estava me chamando. Era ela!”. Sua evolução desde então lhe permitiu ter conversas simples. “Às vezes ela me acorda para rezar e rezamos juntos.”
“Durante todos esses anos, os médicos me disseram que era um caso perdido e que o tratamento que eu procurava para ela não tinha sentido, mas quando eu tinha dúvidas, me colocava no lugar dela e fazia todo o possível para melhorar sua condição”, disse Omar Webair.
Depois de sair do coma, Munira Abdulla foi levada de volta ao seu país em junho. Lá ela continua recebendo tratamento intensivo. Segundo os médicos, as consequências do dano cerebral causado pelo acidente nunca desaparecerão e a cadeira de rodas a acompanhará pelo resto da vida, mas ela pode participar da vida familiar. A mulher agora é capaz de responder a perguntas e recitar alguns versos do Corão e, recentemente, visitou na cadeira de rodas a Grande Mesquita de Abu Dhabi, que ainda não tinha sido construída quando ela sofreu o acidente.
O neurocirurgião Friedemann Müller, um dos médicos que trataram da mulher na clínica Schön, em Bad Aibling, disse (segundo o diário The New York Timescitando o Spiegel Online) que não se deve confundir o “estado vegetativo” no qual estava a paciente com o coma. “Nenhum paciente acorda de repente de um coma depois de 27 anos”, acrescentou. “O estado físico e mental da paciente melhorou enormemente em semanas”, disse Müller.
“Ela chegou com espasticidade severa, membros torcidos e ataques epiléticos”, disse o médico à revista Focus. “Nós nos concentramos em relaxar o corpo da paciente com fisioterapia e instalando uma bomba de baclofeno para combater a espasticidade. Foi um êxito que a paciente pudesse se sentar em uma cadeira de rodas e fosse levada para um passeio depois de seis meses”, explicou o médico.
Vários meios de comunicação recordaram nas últimas horas o caso de um paciente da Virgínia Ocidental (EUA) que começou a falar depois de 20 anos. “O caso é incomum, mas não único”, lembrou o médico, que quis ser prudente e não dar falsas expectativas aos parentes de outras pessoas na mesma situação. Em sua opinião, o caso de Munira Abdulla pode ser uma esperança para estados semelhantes, mas não dá garantias, especialmente para pessoas que sofreram danos cerebrais causados pela falta de oxigênio.
Autor: ENRIQUE MÜLLER
Fonte: Berlim
Sítio Online da Publicação: El País
Data: 26/04/2019
Publicação Original: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/04/24/internacional/1556132242_092592.html
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