quarta-feira, 24 de julho de 2019

Áreas de afloramento do Aquífero Guarani versus Cana-De-Açúcar: reflexões e comentários técnicos, artigo de Marco Antonio Ferreira Gomes


Em azul, a localização do aquífero, destacando os estados brasileiros que abrange. Imagem: Wikipedia


Em 2008 foi publicado o livro intitulado Uso agrícola das áreas de afloramento do Aquífero Guarani no Brasil, composto por 20 capítulos sobre vários trabalhos realizados in loco, como também por meio de revisão de literatura, com forte embasamento técnico.

Todos os relatos técnicos sobre as áreas de afloramento do Aquífero Guarani abordadas nessa publicação confirmam a presença de rochas sedimentares aflorantes, principalmente nas porções mais íngremes, como também solos arenosos nas porções mais suaves representados, principalmente, pelos Neossolos Quartzarênicos Órticos (RQo), Latossolos Vermelhos Distróficos psamíticos (LVdq) e Latossolos Vermelho-Amarelos Distróficos psamíticos (LVAdq).

Nos estudos realizados no período entre 1995 e 2005 em porções das áreas de afloramento do Aquífero Guarani nas escalas de 1:50.000 (Nascentes do Rio Araguaia) e 1:25.000 (Córrego Espraiado – Ribeirão preto), embasados em outros trabalhos científicos sobre o tema, concluiu-se que elas possuem alta fragilidade (vulnerabilidade natural) quanto ao risco de contaminação do lençol freático e, consequentemente do lençol mais profundo – zona saturada do aquífero, como também grande suscetibilidade à erosão.

Assim, ao final dos estudos (ano de 2005), a indicação de uso de tais áreas, foi direcionada para pastagens naturais ou plantadas nas porções de ocorrência dos Neossolos Quartzarênicos e de agricultura menos intensiva ou com baixa entrada de insumos (Cultivos anuais com controle biológico de pragas e doenças combinados com Sistemas Integrados de produção – Lavoura/pecuária), nas porções de ocorrência dos Latossolos psamíticos.

No entanto, passados mais de uma década do trabalho realizado, citado inicialmente, observa-se que o cenário de uso e ocupação das áreas de afloramento em questão sofreu um retrocesso, principalmente devido a indicação de uso de cana-de-açúcar em substituição à pastagem. É importante enfatizar que a grande suscetibilidade à erosão dos solos dessas áreas, aliada à sua alta fragilidade natural, se contrapõem a essa indicação de uso, não só pelo de caráter econômico, onde a baixa produtividade natural exige altíssimas entradas de insumos (agroquímicos), mas sobretudo no caráter ambiental, com alto risco de contaminação do aquífero.

O Estado de Goiás, por exemplo, foi o que mais chamou a atenção em relação à expansão das áreas cultivadas com cana-de-açúcar, principalmente a partir de 2000, com incentivos do Plano Nacional de Agroenergia, que possibilitou a construção do “alcoolduto” da Petrobrás, ligando Goiás ao Porto de São Sebastião no litoral paulista, aliado ao trabalho de zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar do estado, publicado em 2009. Este conjunto de ações certamente contribuiu para o incentivo e o consequente crescimento da atividade canavieira no estado. Porém, no caso das áreas de afloramento do Aquífero Guarani no estado, em nenhuma dessas ações/incentivos foi observado/analisado, de fato, o potencial de seus solos em relação à cultura da cana, ou seja, se ela se sustenta, de fato, no tempo, considerando, principalmente, as implicações negativas (impactos) para o lençol freático/zona saturada do aquífero em questão.

Para entender melhor a questão, basta observar no mapa de zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar para o Estado de Goiás (MANZATTO et al, 2009 citado por SAUER & PIETRAFESA, 2012) em escala 1:5.000.000, que as porções de afloramento do Aquífero Guarani localizadas ao norte do Parque Nacional das Emas (sudoeste de Goiás), onde estão as nascentes do Rio Araguaia, por exemplo, são consideradas como classe de aptidão “MÉDIA” (cor verde claro), ao passo que as porções localizadas à nordeste, leste e sudeste (Bacia do Rio Verde), são consideradas como classe de aptidão “ALTA” (cor verde escuro).

Vale lembrar que apesar de se tratar de escalas diferentes, sabe-se que a escala de 1:5.000.000 traz embutida muitas generalizações e, por isso, as indicações de uso e/ou tomada de decisão para áreas de menores extensões, que apresentam alta vulnerabilidade natural, necessitam de um cuidado mais específico, sobretudo em relação à busca de informações técnicas mais detalhadas.

Marco Antonio Ferreira Gomes
Pesquisador da Embrapa Meio Ambiente

Referências

GOMES, M. A. F. Uso agrícola das áreas de afloramento do Aquífero Guarani no Brasil: implicações para a água subterrânea e propostas de gestão com enfoque agroambiental/editor técnico, Marco Antonio Ferreira Gomes. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2008. 417 p. ; il.

SAUER, S.; PIETRAFESA, J. P. Cana de açúcar, financiamento público e produção de alimentos no Cerrado. CAMPO-TERRITÓRIO: revista geográfica agrária, v. 7, n. 14, p. 1-29. 2012.



in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 24/07/2019




Autor: Marco Antonio Ferreira Gomes
Fonte: Ecodebate
Sítio Online da Publicação: Ecodebate
Data: 24/07/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/07/24/areas-de-afloramento-do-aquifero-guarani-versus-cana-de-acucar-reflexoes-e-comentarios-tecnicos-artigo-de-marco-antonio-ferreira-gomes/

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