Quando o pequeno não é belo: Negligenciando os impactos cumulativos de Pequenas Centrais Hidrelétricas na Amazônia
Por: Juliana Siqueira-Gay, Carla Duarte Grigoletto, Simone Athayde, Ana Paula Dibo, Luis Enrique Sánchez, Amarilis Lucia Casteli Figueiredo Gallardo, Evandro Mateus Moretto e Luisa Sangoi
Mundialmente, o número de pequenas centrais hidrelétricas é crescente nos últimos anos. Especialmente na Amazônia, seu número cresceu 5 vezes nos últimos 20 anos. Alguns fatores influenciaram esse crescimento como os incentivos econômicos para o desenvolvimento de energia limpa, a saturação do aproveitamento hidrelétrico dos grandes rios nos países em desenvolvimento, bem como a percepção de que os pequenos projetos causam menor impacto ambiental comparativamente aqueles gerados pelas grandes hidrelétricas e consequentemente, simplificação na avaliação dos impactos ambientais e sociais de projetos.
Em especial na Amazônia, os custos sociais, ambientais e econômicos associados à decorrentes da construção das grandes hidrelétricas no Rio Madeira, Belo Monte e Rio Xingu forçaram a suspensão temporária da construção de 7 novas grandes hidrelétricas na bacia do Rio Tapajós. Nesta bacia, entretanto, há um crescente número de pequenas centrais hidrelétricas, muitas vezes associadas à outras atividades como mineração, linhas de transmissão, agricultura e estradas. Os atuais instrumentos brasileiros de Avaliação de Impacto Ambiental não consideram propriamente os impactos cumulativos desses projetos, como evidenciado por publicação recente na revista Energy Policy.
Um grupo de pesquisadores da Rede de Barragem da Amazônia (Universidade da Flórida, Universidade de São Paulo e Universidade Federal de São Paulo) analisou os Estudos de Impacto Ambiental de pequenas centrais hidrelétricas propostas para a bacia do Rio Cupari, um afluente do Rio Tapajós. Eles mostram que os impactos cumulativos de 28 pequenas centrais hidrelétricas e um grande hidrelétrica não foram propriamente avaliados nos estudos analisados. A construção de um projeto a cada 42 km de rios resulta potencialmente em efeitos que interagem entre si e com outros projetos existentes, futuros e com outras atividades na bacia, acumulando-se no tempo e no espaço, causando impactos cumulativos. Estes podem ser definidos como mudanças no meio ambiente causados por uma ação combinada com outras ações pretéritas, presentes e potencialmente futuras, resultante de diferentes processos de acumulação, os quais podem ser aditivos (soma dos efeitos individuais) ou sinérgicos (quando os efeitos combinados são maiores do que a soma dos individuais). Exemplos de impactos ambientais negligenciados são a alteração da dinâmica hidrológica, perda de habitat de espécies aquáticas, alteração da atividade pesqueira e consequente prejuízo econômico para as comunidades ribeirinhas. A soma desses impactos pode resultar em consequências mais significativas do que aquelas causadas pelas grandes hidrelétricas, evidenciando que pequenas centrais hidrelétricas não necessariamente representam baixo impacto socioambiental.
Mapa de barragens hidrelétricas (existentes, planejadas e inventariadas) nos rios da Bacia Amazônica. SHP – pequenas centrais hidrelétricas (small hydropower projects); LHP – usinas hidrelétricas (large hydropower projects). Fonte: Athayde et al. (2019).
Mapa detalhado da subbacia do rio do Cupari, mostrando as áreas protegidas e terras indígenas, evidenciando o padrão “espinha de peixe” causado pelo desmatamento resultante da rodovia Transamazônica. Fonte: Athayde et al. (2019).
Os autores da pesquisa argumentam que melhorias na Avaliação de Impacto Cumulativo nos instrumentos existentes para o planejamento de energia hidrelétrica são urgentes para uma efetiva proteção ambiental e social. Para isso, os autores afirmam que a Avaliação Ambiental Integrada (AAI) deve considerar o cenário completo de desenvolvimento, incluindo todas as pequenas e grandes barragens inventariadas, e os Estudos de Impacto Ambiental precisam de diretrizes detalhadas para aprimorar os estudos relacionados a interações potenciais entre os impactos. Adicionalmente, os pesquisadores propõem a aplicação da Avaliação Ambiental Estratégica como um instrumento para contribuir na melhoria da integração entre planos, programas e outras iniciativas propostas no nível da bacia hidrográfica. Embora este instrumento ainda não seja requerido por lei no Brasil, há aplicações em diversos setores no Brasil como petróleo e gás, rodoviário, portuário, logístico e turismo.
Diretrizes internacionais e um número considerável de estudos de casos estão disponíveis para subsidiar a Avaliação de Impactos Cumulativos a nível regional e de projeto. Uma abordagem multiescalar é necessária para abordar a complexidade dos impactos cumulativos no nível da bacia, bem como reforçar a governança, participação pública e articulação com a sociedade civil, universidades, setor privado e agências governamentais. Isso será fundamental para informar o planejamento e gestão de pequenas centrais hidrelétricas na Amazônia.
Citação:
Athayde, S.; Duarte, C. G.; Gallardo, A. L. C. F.; Moretto, E. M.; Sangoi, L. A.; Dibo, A. P. A.; Siqueira-Gay, J.; Sánchez, L. E. 2019. Improving policies and instruments to address cumulative impacts of small hydropower in the Amazon. Energy Policy 132: 265-271. DOI: https://doi.org/10.1016/j.enpol.2019.05.003
Link para o artigo na Energy Policy:
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S030142151930299X
Link para a versão em português do artigo no Research Gate:
https://www.researchgate.net/publication/333865058_Aprimorando_politicas_e_instrumentos_para_o_estudo_de_impactos_cumulativos_de_Pequenas_Centrais_Hidreletricas_na_Amazonia
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 02/07/2019
Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 02/07/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/07/02/quando-o-pequeno-nao-e-belo-negligenciando-os-impactos-cumulativos-de-pequenas-centrais-hidreletricas-na-amazonia-por-juliana-siqueira-gay-et-al/
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