Os danos neurológicos causados pelo vírus da Zika vão além dos já conhecidos casos de má-formação cerebral em bebês (microencefalia). A doença também afeta os adultos. Como isso ocorre foi o tema do estudo de uma rede de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que teve como desdobramento a publicação de um artigo nesta quinta-feira, 5 de setembro, no periódico científico Nature Communications. Intitulado Zika virus replicates in adult human brain tissue and impairs synapse function and memory in adult mice, o artigo relata as conclusões dos experimentos dos cientistas, demonstrando que o vírus infecta o tecido cerebral adulto, causando complicações motoras e de memória, e como isso ocorre.
“A descoberta esclarece como o vírus induz o surgimento de complicações neurológicas, conforme observado em adultos durante o surto de Zika de 2015, o que ainda não era conhecido pela literatura médica. Pensava-se que o vírus atacava apenas os neurônios imaturos dos bebês”, destacou a autora principal do artigo, a neurocientista Claudia Pinto Figueiredo, que é professora do Departamento de Biotecnologia Farmacêutica da Faculdade de Farmácia da UFRJ. Ela coordenou o estudo junto com o também neurocientista Sergio Teixeira Ferreira, professor do Instituto de Bioquímica Médica (IBqM/UFRJ) e do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF/UFRJ), e a virologista Andrea Thompson Da Poian, também professora do IBqM/UFRJ.
Além dos coordenadores, o artigo tem como autores Fernanda Barros-Aragão, Rômulo Neris, Paula Frost, Carolina Soares, Isis Souza, Julianna Dias Zedler, Danielle Zamberlan, Virgínia de Sousa, Amanda Souza, André Luis Guimarães, Maria Bellio, Jorge M. de Souza, Soniza Alves-Leon, Gilda Neves, Heitor Paula-Neto, Newton Castro, Fernanda De Felice, Iranaia Assunção-Miranda e Julia Clarke.
O ponto de partida para a formação do grupo se deu logo após o surto de Zika ocorrido entre 2015. Na ocasião, a FAPERJ lançou, de forma pioneira, o Programa Pesquisa em Zika, Chikungunya e Dengue no Estado do Rio de Janeiro, para fomentar pesquisas sobre doenças disseminadas pelo mosquito Aedes aegypti. A partir dessa iniciativa, a rede de pesquisa na UFRJ foi formada e posteriormente, em 2016, foi fortalecida com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Havia relatos científicos da presença do vírus da Zika no líquor – o líquido que banha o sistema nervoso central – de pacientes adultos durante a fase aguda da infecção. Para investigar as consequências da infecção, os pesquisadores da UFRJ inocularam o vírus isolado de um paciente brasileiro no cérebro de camundongos adultos. Inicialmente, constataram que o vírus infecta o cérebro dos adultos e logo observaram que ele se multiplica especialmente nas áreas cerebrais relacionadas com a memória e o controle dos movimentos corporais. “Isso explica relatos de confusão mental em pessoas adultas com Zika, de falhas temporárias na memória e dificuldades motoras”, disse Andrea Da Poian. “Os efeitos neurológicos nos roedores tiveram seu ápice seis dias após a infecção e praticamente desapareceram 60 dias depois. Mas, em humanos, esse tempo seria bem diferente. Todo o ciclo de vida de um camundongo dura apenas dois anos”, completou a bolsista Nota 10 da FAPERJ, Fernanda Barros, aluna do doutorado em Ciências Morfológicas com ênfase em Neurociência do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB/UFRJ).
O trabalho foi enriquecido pela união de expertises entre pesquisadores da área de Virologia e da área de Neurociência. O neurocientista Sergio Ferreira, que trabalhou em parceria com Fernanda De Felice, usou sua experiência nos estudos da Doença de Alzheimer para desvendar os mecanismos moleculares relacionados aos danos do vírus da Zika no cérebro adulto. “Observamos nos experimentos que as falhas de memória e motoras ocorrem devido ao processo de inflamação do cérebro causado pelo vírus. O problema é que essa inflamação passa a ser tóxica no cérebro. Ela cria um problema na comunicação entre os neurônios, que ocorre normalmente por meio das sinapses [o processo no qual os neurônios transmitem sinais entre si]. No cérebro com Zika, as sinapses são literalmente atacadas pelas microglias, que são células relacionadas ao nosso sistema imunológico”, detalhou Sergio.
Outro ponto importante da pesquisa foi testar o uso de um medicamento anti-inflamatório já utilizado largamente para o tratamento de artrite reumatoide, cujo nome genérico é infliximabe, com o objetivo de reduzir os danos neurológicos causados pelo vírus da Zika. “Já utilizávamos o infliximabe para testar caminhos para amenizar a perda de memória relacionada ao Alzheimer. Esse medicamento inibe a molécula TNF-alfa, envolvida no processo da inflamação cerebral e na ativação das microglias”, disse Sergio. “Outro medicamento testado pelo grupo foi a minociclina (um antibiótico), que impede que as microglias sejam ativadas pela inflamação”, acrescentou Fernanda Barros.
Os pesquisadores ainda não sabem quantas pessoas infectadas pelo vírus da Zika de fato podem ter prejuízos neurológicos e a eficácia do uso desses medicamentos em humanos. Além dos testes realizados com camundongos, seria preciso prosseguir em uma nova etapa, a de testes clínicos, com pessoas infectadas pela doença. “Para isso, é preciso haver um grande esforço de pesquisa e uma soma de recursos, com a continuidade de investimentos por parte das agências de fomento, além da aprovação pelos Comitês de Ética em Pesquisa”, disse Sergio. “Esse tipo de estudo é muito relevante para o estabelecimento de novas políticas de saúde pública, e para avançarmos no entendimento da doença, o que pode resultar no descobrimento de novos alvos terapêuticos e preventivos para os pacientes infectados pelo vírus da Zika”, destacou Claudia.
Autor: Débora Motta
Fonte: FAPERJ
Sítio Online da Publicação: FAPERJ
Data: 05/09/2019
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=3833.2.8
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