segunda-feira, 19 de abril de 2021

Pesquisador na Uerj lança coletânea de textos sobre idolatria e futebol

Professor e pesquisador na Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Ronaldo George Helal lança em abril o livro "Sobre futebol, esporte e cultura", que reúne textos de sua autoria publicados em colunas de jornais ao longo de 25 anos. "Esse é um projeto antigo que eu tinha e que agora se concretiza", conta. O livro sairá pela Editora Appris, conta com prefácio de Juca Kfouri e apoio da FAPERJ, por meio do programa Cientista do Nosso Estado.


Nesses artigos publicados principalmente em O Globo, o coordenador do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte (Leme) fala da construção dos ídolos no futebol masculino e da visão de nação construída tanto internamente quanto do ponto de vista estrangeiro, especialmente francês e argentino. Para o pesquisador, o estudo das relações entre esporte, cultura e sociedade podem evidenciar relações sociais que vão muito além das partidas de futebol. Autor de "O que é Sociologia do Esporte", Helal recebeu homenagens no mês de março pelos 30 anos do lançamento da obra.

Em 2017, em pesquisa realizada na Biblioteca Nacional da França, em Paris, ele se debruçou sobre as narrativas sobre a seleção brasileira nas Copas de 1958, quando o Brasil venceu a França por 5x2 na semifinal, e em 1998, quando foi derrotado por 3x0, na partida final As semelhanças dos discursos o surpreendeu, e os elogios ao futebol mestiço, que seria genial por natureza, mas que peca na construção de um jogo coletivo, continuavam presentes. “Quando querem elogiar, a visão dos comentaristas franceses em jornais de grande circulação evidencia um encantamento pela natureza do drible, que teria sido inventado nos terrenos baldios e nas 'peladas' de bairro e exaltam o que seria uma imagem de liberdade romântica em relação ao povo brasileiro”, diz Helal. “Já a crítica relaciona o tema ao ‘primitivismo’ e a dificuldade de pensar e elaborar estratégias. Tanto para elogiar quanto para criticar, a base das narrativas da imprensa francesa estaria centrada na 'natureza' dos habitantes do país, o que evidenciaria uma visão estereotipada e preconceituosa em relação ao Brasil", argumenta.

No entanto, Helal avalia que essa imagem não é apenas uma visão dos franceses, mas algo bastante presente nas narrativas nacionais. Dizer que um jogador é "esforçado" é entendido como ofensa, uma vez que a facilidade para jogar bola seria algo natural dos mestiços o que justificaria uma suposta displicência com os treinos. Da mesma maneira, justificaria uma gestão em conflito entre o moderno e o tradicional.

Algumas das características do futebol brasileiro são as mesmas descritas por Gilberto Freyre no artigo “Foot-ball Mulato”, publicado em 1938 no jornal Diário de Pernambuco, e a quem Helal atribui como um importante formador dos ideais que ainda estão em voga, apesar da menor força. Na época em que o artigo foi publicado, a exaltação da mestiçagem era algo revolucionário diante da força de ideais eugenistas, mas que lidas fora de contexto atualmente podem soar estranhas. Freyre escreveu: "Acaba de se definir de maneira inconfundível um estilo brasileiro de foot-ball; e esse estilo é mais uma expressão do nosso mulatismo ágil em assimilar, dominar, amolecer em dança, em curvas ou em músicas técnicas européias ou norte-americanas mais angulosas para o nosso gosto: sejam elas de jogo ou de arquitetura. Porque é um mulatismo, o nosso – psicologicamente, ser brasileiro é ser mulato – inimigo do formalismo apolíneo [...] e dionisíaco a seu jeito – o grande jeitão mulato".

Em suas pesquisas, Helal identifica muitos jogadores como ídolos dionisíacos, como Romário e Garrincha, ainda que lembre que mesmo admitindo não gostar de treinar, o "baixinho" era disciplinado. E, contrariando Freyre, temos um grande exemplo de ídolo apolíneo, o Zico. "Quando falamos do ídolo mais festejado da década de 1980 – Zico – encontramos uma narrativa mais próxima da ordem, do profissionalismo e do ‘esforço’. Sua biografia é antagônica à de Romário, ídolo mais festejado na década seguinte. Porém, mesmo Romário, quando parou de jogar, disse, em entrevista, que ele sempre treinou, apesar de não gostar de treinos. Essa fala não foi levada em conta pela imprensa que não a destacou em nenhum lugar", escreveu o autor em artigo que integra o livro.


Ronaldo Helal: 'Quando o sujeito vira ídolo por seus méritos, a imagem dele passa a influenciar' (Fotos: Arquivo pessoal)


O pesquisador é enfático em afirmar que os ídolos não são invenção da mídia, mas uma relação indissociável entre mídia, público, ídolo, fãs, indivíduos anônimos e artistas e audiência para que essas imagens permaneçam vivas. "A construção dos ídolos é escrita pela performance do jogador dentro do campo. A mídia não inventa coisas. Quando o sujeito vira ídolo por seus méritos, a imagem dele passa a influenciar, mas também tem responsabilidade. O Adriano, em 2009, jogou muito bem; em 2010 não jogou tão bem. O comportamento dele, fora dos gramados, era o mesmo. Mas o comportamento dele acabou se sobressaindo com a queda no rendimento dentro de campo", argumenta.

O estudo sobre percepções estrangeiras também trouxe informações curiosas, como a de que a rivalidade entre brasileiros e argentinos é uma invenção nossa, e que teria começado a partir da Copa de 1994. Para o pesquisador, rivalidades entre vizinhos à parte, diante do olhar francês, as características de "jogar bonito" e ausência de estratégia permanecem as mesmas.

Entre as mudanças observadas ao longo das décadas, Helal defende que apesar da tentativa de se estabelecer uma relação entre futebol e política por parte de governos autoritários, a imagem não corresponde à realidade. E mais do que isso, nosso ideário coletivo de que somos uma "pátria de chuteiras" passa cada vez menos pelo futebol e a Seleção Brasileira. Algo que ficou evidente após a derrota por 7x1 para a Alemanha em 2014, que acabou em memes.

Outra modificação que veio com o tempo foi o fortalecimento da presença feminina, tanto como jogadoras, quanto na arbitragem e na bancada de comentaristas. "A arbitragem feminina começou na segunda divisão e hoje já não é mais uma surpresa. Já as comentaristas de futebol ainda recebem muitas mensagens ofensivas pelas redes sociais que seus colegas homens sequer conseguem ler ao vivo, como tentou a equipe do SporTV", comenta.

O pesquisador argumenta que os comentários sobre as qualidades e defeitos do futebol brasileiro, bem como a presença feminina cada vez maior, evidenciam o machismo, racismo e a homofobia existentes na sociedade. "O tempo de carreira de um atleta torna suas trajetórias mais permeáveis à ascensão, e ninguém vai impedir um bom jogador negro de conseguir um bom contrato. Diferente, se a opção fosse Medicina e ele abrisse um consultório no coração do Leblon. Já técnicos negros tem uma dificuldade maior, dirigentes ainda maior de construírem carreira. A não ser que sejam ex-jogadores. Na questão do machismo, quando a Patricia Amorim assumiu a presidência do Flamengo, sempre a criticavam se referindo como 'aquela mulher'. O machismo não tarda a se manifestar. Se fosse uma pessoa negra, apareceria na hora", reflete.

Para o próximo semestre, Ronaldo Helal prepara o lançamento de outros dois livros, escritos em parceria com pesquisadores integrantes do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte: "Estudos em Mídia, Esporte e Cultura", em coautoria com Leda Costa, Fausto Amaro e Carol Fontenelle; e "Esporte e Sociedade: a contribuição de Simoni Guedes", com Leda Costa.




Autor: Juliana Passos
Fonte: FAPERJ
Sítio Online da Publicação: FAPERJ
Data: 15/04/2021
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=4190.2.7
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