A doutora em Microbiologia Marilda Siqueira coordena um dos 12 laboratórios considerados referência internacional em pesquisa do SARS-CoV-2, de acordo com classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS). À frente do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz, da Fundação Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Marilda e sua equipe se dedicam ao sequenciamento genético das variantes do coronavírus. O seu laboratório, juntamente com a vice-presidência de pesquisa da Fiocruz, participou da criação da Rede Genômica Fiocruz (https://www.genomahcov.fiocruz.br). A Rede trabalha em estreita colaboração com o Ministério da Saúde e conta com a participação da maioria das unidades da Fiocruz em 11 estados e de instituições parceiras como o Instituto Adolpho Lutz, em São Paulo, e o Instituto Evandro Chagas, em Belém. Em um trabalho unificado e focado no mesmo objetivo, a cada dia agrega novas unidades a fim de contribuir para que o maior número de dados sobre genoma SARS-CoV-2 seja fornecido, no menor espaço de tempo possível, ao Ministério da Saúde.
Na corrida contra o tempo para controlar um vírus desconhecido, o Laboratório, considerado pelo Ministério da Saúde Centro de Referência Nacional em Vírus Respiratórios e referência em Covid-19 nas Américas para a Organização Mundial da Saúde (OMS), recebe amostras de Covid-19 de várias regiões do País. É ali, onde tradicionalmente são estudadas outras doenças virais, como Influenza, Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers), Sarampo, Ebola e SARS-CoV-1, que desde o início da pandemia é estudado o comportamento do SARS-CoV-2, por meio da decodificação do genoma viral, a fim de preparar o País para o enfrentamento da pandemia, promover diagnósticos precisos e vacinas eficazes.
“Gostaria de aproveitar essa oportunidade para agradecer muito à FAPERJ e ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) pelo apoio, que tem sido decisivo para que as análises do coronavírus possam ser realizadas aqui no laboratório”, diz Marilda, referindo-se ao apoio do edital Ação Emergencial Projetos para Combater os Efeitos da Covid-19 para realizar suas pesquisas. Segundo ela, que é bolsista de Produtividade nível 1C do CNPq, a análise genômica é de fundamental importância para esclarecer o comportamento do coronavírus ao longo do tempo e conhecer em tempo real suas características e suas variantes. “Estamos isolando essas variantes em culturas celulares e compartilhando as linhagens identificadas através de MTA (Material TransferAgreement) com várias instituições de pesquisa do Brasil e do exterior que assinaram o Termo de Cooperação, inclusive com a Universidade de Oxford, cuja vacina a Fiocruz está produzindo no Brasil”, detalha.
Marilda: As linhagens identificadas são compartilhadas com várias instituições de pesquisa do Brasil e do exterior (Foto: Arquivo pessoal)
Graduada em Farmácia e Bioquímica e mestre em Biologia Parasitária, Marilda explica que a análise genômica do vírus é fundamental para nortear a produção de vacinas e esclarecer como os anticorpos gerados respondem a essas variantes. Ela destaca que o site da Rede Genômica da Fiocruz, uma contrapartida exigida pelo edital da FAPERJ, disponibiliza praticamente em tempo real, informações robustas e claras, ao público em geral e à imprensa, sobre a pesquisa com genoma. No portal, que em breve terá versão em inglês, são apresentados dados sobre as principais linhagens circulantes no País, sua frequência e distribuição por região e estados. Na seção “gráficos” é possível verificar que no início da pandemia havia predomínio das linhagens B.1.28 e B.1.1.33 e agora há predominância das linhagens P1 e P2. Integrante da plataforma internacional GISAID, que promove o compartilhamento de dados compilados de mais de um milhão de genomas produzidos em todo o mundo sobre influenza e o novo coronavírus, a Rede é um dos curadores dessa iniciativa na América do Sul na difusão de informações. “Nosso próximo passo é iniciar um projeto que irá escalonar significativamente nas próximas semanas e meses o número de amostras sequenciadas e analisadas”, garante Marilda.
No final do mês de março, pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz identificaram uma importante alteração na estrutura da proteína Spike (S) do vírus SARS-CoV-2 em circulação no Brasil. Onze sequências genéticas apresentaram deleções na região inicial da proteína e em quatro ocorreu inserção de alguns aminoácidos. A proteína Spike é associada à capacidade de entrada do patógeno nas células humanas e é um dos principais alvos dos anticorpos neutralizantes produzidos pelo organismo para bloquear o vírus. Essa alteração permite que o vírus use uma espécie de capa de invisibilidade para que não seja reconhecido pelos anticorpos de quem já foi infectado ou vacinado.
Com o processo de vacinação lento, Paola lembra que cada um deve continuar a fazer a sua parte para frear a circulação do vírus (Foto: Josué Damascena/Fiocruz)
Mestre em Medicina Tropical e doutora em Biologia Molecular e Celular pelo IOC, Paola Resende explica que essa é uma estratégia comum e faz parte da biologia natural do vírus, que possui grande capacidade de sofrer mutações, principalmente quando ele está circulando em alta proporção na população. “A evolução do coronavírus tem sido convergente, ou seja, estão sendo encontradas mutações, bem como inserções e deleções de aminoácidos na proteína Spike, fazendo com que as alterações ocorram em diferentes linhagens”, esclarece Paola. Ela reforça a importância de se conhecer as linhagens que estão circulando para viabilizar o monitoramento de uma possível emergência de uma variante. Entre essas emergências, a bióloga destaca a capacidade do vírus de escapar da resposta imune da população, ser mais agressivo ou ter maior capacidade de transmissão, como vem ocorrendo com algumas variantes recentes em circulação, denominadas variantes de interesse e de preocupação.
Coordenadora da curadoria da plataforma genômica internacional GISAID no Brasil, Paola explica que, segundo a OMS, até o momento existem três variantes de preocupação: a P.1, detectada no estado do Amazonas; a B.1.1.7, detectada inicialmente no Reino Unido e já em circulação no Brasil; e a B.1.351, identificada na África do Sul e reportada em São Paulo, mas ainda com poucas informações epidemiológicas sobre uma transmissão sustentada no País. De acordo com ela, a Rede também vem detectando diversas variantes de interesse. Nas primeiras semanas de abril foram caracterizadas e classificadas duas novas linhagens, a N.9 e a N.10, como variantes de interesse, e a nomenclatura foi aceita pelo sistema internacional de classificação de linhagens.
“Assim que conseguimos identificar a variante no Maranhão, enviamos a amostra ao Ministério da Saúde e à Secretaria de Saúde do estado, que nos enviou mais amostras. Com elas, conseguimos identificar o cluster, isolar o vírus e estudar suas características fenotípicas, como, por exemplo, sua resposta a soros de pacientes já infectados. Estudos complementares estão sendo realizados para enfrentar essa variante no caso de predominância ou no caso dela escapar da vacina. Neste caso, a variante pode ser fornecida a um fabricante para o desenvolvimento de novas vacinas. “Acho que a variante de interesse que mais preocupa é a da N.10, que mostrou in silico que pode alterar bastante essa conformação e escapar mais. Seu potencial escape da resposta imune está bem acima do que as outras variantes. Mas os testes in vitro precisam ser realizados para comprovar esse achado computacional”, diz Paola. O ancestral da linhagem N.10 está circulando desde o início da pandemia é classificada como B.1.1.33. No entanto, ela se diferenciou ao longo do tempo, agregou mutações importantes e formou clusters de transmissão locais, como no Maranhão e em alguns outros estados. Essas duas variantes estão sendo monitoradas pela Rede muito de perto, aponta a pesquisadora.
Paola acha que, como a vacinação está caminhando a passos muito lentos, é necessário fazer o que está ao alcance de cada um para frear a circulação do vírus. “Não podemos deixar de enfatizar a importância de se lavar as mãos, usar álcool gel e máscara, sempre que possível ficar em casa e evitar aglomerações. Tudo que estamos cansados de saber, mas muitas pessoas já não estão mais fazendo isso. Nesse mesmo período do ano passado, a população estava com medo e tomando muito cuidado. Hoje, estamos enfrentando o pior momento da pandemia e as pessoas parecem mais relaxadas. Não consigo entender isso”, finaliza Paola.
Autor: Paula Guatimosim
Fonte: FAPERJ
Sítio Online da Publicação: FAPERJ
Data: 15/04/2021
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=4196.2.0
Nenhum comentário:
Postar um comentário