quinta-feira, 15 de junho de 2023

Potencial vacina para febre maculosa pode mirar controle do carrapato transmissor

Texto: Ivan Moraes Conterno

Arte: Carolina Borin Garcia e Simone Gomes

Os carrapatos Amblyomma sculptum foram tratados com um tipo específico de RNA para silenciar a proteína inibidora da apoptose, um tipo de morte celular programada, o que poderá ser a chave para uma vacina - Foto: Christopher Paddock e James Gathany/Centers for Disease Control and Prevention (CDC)

Um estudo realizado no Laboratório de Bioquímica e Imunologia de Artrópodes do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP revelou que a expressão de uma proteína durante a alimentação do carrapato-estrela (Amblyomma sculptum) é fundamental para a sua sobrevivência. Esses resultados apontam a proteína inibidora da apoptose, a morte celular programada, como um alvo promissor para o desenvolvimento de uma vacina contra o carrapato, que é vetor da febre maculosa brasileira. O artigo foi publicado na revista Parasites & Vectors e teve como primeira autora Marcelly Nassar, que realizou a pesquisa para sua dissertação de mestrado.

Aos menos três pessoas morreram recentemente após contraírem a bactéria transmitida pelo pequeno aracnídeo. As vítimas participaram do mesmo evento em uma fazenda no distrito de Joaquim Egídio, em Campinas (SP), no dia 27 de maio. A doença, que causa febre alta, inflamação nos vasos sanguíneos e outras complicações, pode matar principalmente se houver demora no diagnóstico e tratamento. 

Casos no Brasil

Casos no Estado de São Paulo

O número de casos registrados de Rickettsia rickettsii no Brasil são baixos devido à falta de diagnóstico, porém o índice de letalidade no Estado de São Paulo chegou a 76,39% em 2014 – Infográfico: Ivan Conterno – Fonte: Ministério da Saúde
A Rickettsia rickettsii, bactéria que causa a doença, é transmitida pela picada de carrapatos infectados. No Brasil, duas espécies desses aracnídeos transmitem a bactéria para humanos. O carrapato-estrela, utilizado no estudo, é o principal vetor, mas há também o Amblyomma aureolatum, que transmite a bactéria na região metropolitana da cidade de São Paulo. A Rickettsia rickettsii costuma permanecer nas populações de carrapatos pois coloniza os ovários, passando de uma geração para outra.

Na fase adulta, o carrapato se alimenta preferencialmente de cavalos e de capivaras, mas o número de casos no Brasil não justificaria a vacinação em pessoas. Se o alvo encontrado para a obtenção de um imunizante for promissor, o carrapato que se alimentar de um animal vacinado morrerá, interrompendo o ciclo de proliferação da bactéria. “A diminuição da densidade populacional dos carrapatos por uma estratégia vacinal, consequentemente, interromperia em grande parte a transmissão da doença para os seres humanos”, explica ao Jornal da USP Marcelly Nassar.


Proximidade de capivaras com populações humanas favorece a transmissão de bactéria letal por carrapatos, que podem ser controlados por estratégia vacinal – Foto: Julio Cesar Bazanini/USP Imagens

“É uma estratégia vacinal diferente, mas espera-se que a resposta no hospedeiro seja a mesma”, descreve a pesquisadora. Atualmente, ela faz testes da aplicação do imunizante em animais em sua pesquisa de doutorado.

Alta letalidade da doença
Nos humanos, a bactéria coloniza as células dos vasos sanguíneos, o que causa uma inflamação (vasculite), cuja progressão pode ser fatal. A vasculite também leva ao surgimento de manchas na pele — ou máculas, e daí o nome da doença (“febre maculosa”) — que se espalham pelo corpo. Nem todas as pessoas infectadas têm máculas e os sintomas iniciais são muitos confundidos com outras viroses, como a dengue.

Nos primeiros dias, a pessoa infectada tem febre e sente dores na cabeça e no corpo. Se o paciente não tiver percebido que foi picado ou não se lembrar de dizer isso durante o atendimento médico, dificilmente haverá a suspeita de um quadro de febre maculosa. Assim, não será prescrito o antibiótico adequado, a doxiciclina.

O diagnóstico para febre maculosa é feito por reação de imunofluorescência indireta, que só é confiável após mais de dez dias a partir dos primeiros sintomas, quando o corpo já produziu anticorpos. Portanto, até a obtenção do diagnóstico positivo para Rickettsia rickettsii, possivelmente o tratamento com antibiótico não será mais eficaz. “Controlar a população do vetor, portanto, é a melhor medida para controlar a doença e evitar mortes”, explica a veterinária.

A pesquisadora explicou que poucos casos são registrados por conta da falta de dados. Dado o cenário, bloquear o vetor é a melhor medida para combater a doença. “Não temos um diagnóstico laboratorial efetivo nos primeiros dias da doença. Para esperar um diagnóstico positivo para Rickettsia rickettsii, possivelmente o tratamento não será mais eficaz”, diz ela.


Autor: Ivan Moraes Conterno


Fonte: jornal da USP 


Sítio Online da Publicação: jornal da USP
Data: 15/06/2023

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