segunda-feira, 16 de abril de 2018

Mão na boca, artigo de Montserrat Martins

Quando a criança mente, ela leva a mão à boca, tapando a boca depois de mentir, um reflexo tão instintivo como a vontade de rir. À medida que se cresce, isso vai se modificando, persiste o ato reflexo de levar a mão à boca, mas adolescentes e adultos disfarçam isso coçando o nariz, ao invés de tapar a boca quando mentem.

Esses fatos curiosos, que Alan e Barbara Pease contam em “Desvendando os Segredos da Linguagem Corporal”, mostram que temos consciência instintiva da mentira, que mentir é um ato divertido e gera uma espécie de culpa ou vergonha ao mesmo tempo. Como dizia uma música do Roberto Carlos, “porque que tudo que eu gosto é ilegal, é imoral ou engorda?”.

Estamos no auge das mentiras nas redes sociais, ue reproduzimos sem crítica, porque achamos divertido. “Acho que é fake, mas repasso”, disse alguém no whatsapp outro dia, o que significa “só porque é fake news não vou me privar desse prazer”. Das brincadeiras mais divertidas, até as mais maldosas e principalmente aquelas que fingem serem fatos verídicos, daria para criar uma verdadeira “escala da falsidade” na internet.

Uma propaganda de 1988, criada por Washington Olivetto, começava falando uma série de benefícios que um homem tinha trazido a seu povo, até mostrar a imagem que revelava a face de Hitler, vindo então a frase final: “é possível contar mentiras falando só verdades”. Verdades parciais são a mais sofisticada forma de mentiras.

As distorções, os fatos parciais, são mentiras mais sofisticadas usadas não só por diversão mas também em algo mais sério, uma verdadeira guerra política instalada não só no Brasil como em todo o mundo. No “vale tudo” da última eleição americana, memes criados pela equipe de Donald Trump espalharam que Hillary Clinton estava “doente”, “fato” em que milhões de americanos acreditaram, numa eleição decidida por pequena margem de votos. O crime compensou, nesse caso.

Nós difundimos principalmente o que nos faz rir, principalmente sobre quem não gostamos, por isso levamos adiante mensagens do tipo “repasse sem dó”, expressão que já é prenúncio de baixaria.

Bastam algumas equipes de profissionais bem pagos, especialistas em técnicas de memes, para que milhões de pessoas comuns repassem gratuitamente as suas armas de calúnia e difamação social, uns contra os outros.

Será só imaginação? Será que nada vai acontecer? Será que tudo isso é em vão? Será, que vamos conseguir vencer?

Será que um dia vamos conseguir vencer a nós mesmos, a nossos próprios instintos, e começarmos a ser mais verdadeiros e consequentes?


Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é médico psiquiatra, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais e ex-presidente do IGS – Instituto Gaúcho da Sustentabilidade



in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 16/04/2018




Autor: Montserrat Martins
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data de Publicação: 16/04/2018
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2018/04/16/mao-na-boca-artigo-de-montserrat-martins/

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