sexta-feira, 22 de março de 2019

Crescimento populacional e mudanças climáticas vão aumentar o estresse hídrico, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“70% do corpo humano é feito de água e 70% da superfície da Terra é coberta pela água”

The Economist (28/02/2019)







A Terra possui muita água (pelo menos quando comparado com outros planetas). Mas os oceanos salgados respondem por 97,5% de todos os recursos hídricos. Outros 1,75% estão congelados, nos polos, nas geleiras, nos glaciares e no permafrost. Assim, a humanidade e as demais espécies vivas da Terra contam com apenas um montante de 0,75% de água potável para o consumo global.

A água potável era suficiente para manter a vida florescendo e prosperando no Planeta, durante milhões de anos. Mas o crescimento da população humana (de cerca de 1 bilhão de habitantes em 1800 para 8 bilhões de habitantes em 2023), aliado ao crescimento da economia e do padrão de consumo transformaram a água potável em uma commodity e em uma mercadoria comercializada ao sabor do mercado, ignorando o direito à água por parte de todos os seres vivos e o direito da própria água. Os problemas, que já são graves hoje em dia, serão agravados em decorrência das mudanças climáticas.

O relatório, “Climate change and population growth are making the world’s water woes more urgent”, da revista britânica, The Economist (28/01/2019), mostra que o mundo já está passando por uma situação de estresse hídrico desesperadora. Um quarto da humanidade – 1,9 bilhão de pessoas, sendo 73% delas na Ásia – vivem em áreas onde a água é potencialmente escassa. O número de pessoas que enfrenta escassez quase duplica se contar aqueles em risco pelo menos um mês por ano. Enquanto isso, o uso global da água é seis vezes maior do que há um século – e estima-se que aumente de 20 a 50% até 2050.

O mundo atual já oferece amplos exemplos de devastação ambiental que servem como um aviso de que o uso da água tem seus limites naturais. Por exemplo, barcos estão encalhados no meio do nada, em meio às águas desaparecidas do que já foi o quarto maior lago salino do mundo, o Mar de Aral, entre o Uzbequistão e o Cazaquistão. No ano passado, a Cidade do Cabo, na África do Sul, evitou apenas por pouco o prêmio indesejado de ser a primeira das grandes cidades do mundo a ficar sem água. Quando a chuva finalmente quebrou o ciclo de uma seca de três anos, os níveis de água nos reservatórios que abasteciam a cidade haviam caído para menos de 20%, e autoridades estavam discutindo a possibilidade de rebocar um iceberg da Antártida para fornecer água para beber. Quatro anos antes, São Paulo também ficou à beira do abismo, com reservatórios reduzidos a 5% da capacidade.

O volume de água utilizado globalmente – cerca de 4.600 quilômetros cúbicos por ano – já está próximo do máximo que pode ser sustentado sem o encolhimento perigoso dos suprimentos. Um terço dos maiores sistemas de águas subterrâneas do mundo correm o risco de secar. Portanto, estima-se que o número de pessoas que vão viver sob forte estresse hídrico suba para 3,2 bilhões até 2050, ou 5,7 bilhões considerando a variação sazonal. E eles não estarão apenas em países pobres, conforme mostra o mapa acima. A Austrália, a Itália, a Espanha e até mesmo boa parte dos EUA sofrerão severa escassez de água. China e Índia – os dois países mais populosos do mundo vão sofrer com a falta d’água e, também, com o derretimento dos glaciares do Himalaia.

Outro exemplo: o Nilo, o maior rio da África, não consegue mais atender a demanda populacional e econômica do continente. A bacia hidrográfica do rio Nilo, abrange uma área de 3.349.000 km² e não dá conta de abastecer as populações dos 10 países que, em maior ou menor proporção, dependem de suas águas. A população conjunta de Uganda, Tanzânia, Ruanda, Quênia, República Democrática do Congo, Burundi, Sudão, Sudão do Sul, Etiópia e Egito era de 84,7 milhões de habitantes em 1950, passou para 411,4 milhões em 2010, devendo chegar a 877,2 milhões em 2050 e 1,3 bilhão de habitantes em 2100, segundo dados da divisão de população das Nações Unidas. Os problemas de fome, perda de biodiversidade e pobreza humana e ambiental são, cada vez mais, graves na região. A capacidade de carga da bacia hidrográfica do rio Nilo já não suporta o consumo da população atual e suas necessidades econômicas. Já existem diversos conflitos pela disputa da água entre os povos e os países e até uma ameaça de guerra entre o Egito e a Etiópia por conta da construção da barragem do Renascimento Etíope, no Nilo azul.

No dia 22 de março é comemorado o Dia Mundial da Água. Esta data foi criada com o objetivo de alertar a população mundial sobre a importância da preservação da água para a sobrevivência de todos os ecossistemas do planeta. O Dia Mundial da Água foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU), através de resolução em 21 de fevereiro de 1993, determinando que o dia 22 de março seria a data oficial para comemorar e realizar atividades de reflexão sobre o significado da água para a vida na Terra.

Neste mesmo dia, a ONU lançou a Declaração Universal dos Direitos da Água, que apresenta entre as principais normas:


A água faz parte do patrimônio do planeta;


A água é a seiva do nosso planeta;


Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados;


O equilíbrio e o futuro de nosso planeta dependem da preservação da água e de seus ciclos;


A água não é somente herança de nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos sucessores;


A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem um valor econômico: precisa-se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo;


A água não deve ser desperdiçada nem poluída, nem envenenada;


A utilização da água implica respeito à lei;


A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e as necessidades de ordem econômica, sanitária e social;


O planejamento da gestão da água deve levar em conta a solidariedade e o consenso em razão de sua distribuição desigual sobre a Terra.

Na ilustração abaixo, a esfera à esquerda representa a Terra com toda a água removida. A esfera azul à direita mostra o volume aproximado de toda a água da Terra. O minúsculo ponto azul na extrema direita representa a água doce disponível no mundo. Ainda segundo o Serviço Geológicos dos EUA, outra maneira de visualizar é representando o tamanho da Terra com uma bola de basquete, toda a água do planeta como uma bola de pingue-pongue e toda a água doce disponível seria menor do que um milho de pipoca.




Como se diz: “As guerras do passado foram por terra, as guerras do presente são por petróleo e as guerras do futuro serão por água”. Mas com ou sem guerras, o fato é que os recursos hídricos estão ficando cada vez mais escassos para a humanidade e ainda mais escassos para a biodiversidade. Principalmente, falta políticas adequadas de gestão dos aquíferos e das bacias hidrográficas. Falta também questionar o crescimento econômico pelo crescimento que aumenta a demanda mundial pela água e agrava os problemas de poluição. O que o mundo precisa é mudar o modelo de desenvolvimento marrom e dar início a uma Revolução Azul, para preservar as águas e a vida na água, reduzindo a acidez e ampliando a biodiversidade aquática. O mundo precisa oxigenar a vida política e oxigenar biologicamente a Terra, o Planeta Azul.



José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br



in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/03/2019


Autor: José Eustáquio Diniz Alves
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 22/03/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/03/22/crescimento-populacional-e-mudancas-climaticas-vao-aumentar-o-estresse-hidrico-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

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