Para surpresa da bióloga, descobriu que aquilo que era descartado a toneladas, tinha em sua composição um alto conteúdo de uma substância chamada manana, geralmente encontrada em baixa quantidade na natureza, e com larga possibilidade de usos na indústria de alimentos e de cosméticos. “Na semente de açaí, 50% da massa seca é formada por manana e não existe registro, pelo menos nós não encontramos, de nenhum outro resíduo agroindustrial abundante que tenha uma quantidade de manana tão grande disponível na natureza. Então, o que hoje é considerado lixo e está simplesmente sendo queimado, nós vemos como algo extremamente valioso, com uma composição diferenciada,”, entusiasma-se Ayla.
De grande potencial, a pesquisa está em fase de conclusão da primeira etapa, relativa à identificação da composição química da semente. Uma das formas de descrever as suas propriedades, explica a pesquisadora, é decompor as moléculas de açúcar até sua unidade fundamental, que, no caso da manana, significa chegar até a manose. Esses açúcares, presentes em toda semente como reserva de energia, são necessários até que seja gerada a primeira folha e, a partir daí, a força para o crescimento e desenvolvimento passa a vir da fotossíntese. É nessa composição que está o potencial dessa semente. “Esses dois produtos têm um valor de mercado muito alto. Tanto a manose é utilizada diretamente como fármaco na indústria farmacêutica como pode ser uma molécula de partida para o desenvolvimento de várias outras moléculas de interesse”, conta Ayla.
Em agosto de 2018 a equipe coordenada por Ayla depositou um pedido de patente do processo que levou à descoberta. E nesta semana a revista Nature publicou um artigo da equipe sobre a pesquisa desenvolvida. O trabalho estará descrito detalhadamente na dissertação de Ingrid Santos Miguez, contemplada com uma Bolsa Nota 10 da FAPERJ, para a realização de seu mestrado. Nesse processo de caracterização está a bolsista de Iniciação Científica Ingrid Venturelli, também contemplada pela Fundação. Atualmente, o principal financiador da pesquisa é o Instituto Serrapilheira, do qual Ayla receberá R$ 1 milhão ao longo dos próximos três anos.
Possibilidades
Atualmente a manose já é utilizada para tratamento de infecção urinária, ainda que seus efeitos não sejam um consenso entre os pesquisadores da área médica. Ayla destaca o potencial da manose como “molécula de partida” para a produção de outras substâncias, como o manitol, receitado a todos que fazem o exame de colonoscopia, para limpeza do intestino. De acordo com a bióloga, atualmente o processo para a produção do manitol tem como base moléculas de sacarose, com aproveitamento de 25%, mas poderia chegar a 90% com a manose.
Ela conta que um licor de coloração avermelhada extraído da semente apresentou características igualmente animadoras, rica em polifenóis, substâncias associadas a propriedades antioxidantes e propriedades anti-inflamatórias. No último ano, o grupo se concentrou em realizar a caracterização química aprofundada do extrato, utilizando técnicas de identificação de alta resolução, em colaboração do Laboratório de Tabaco e Derivados do INT e do Centro de Espectrometria de Massas de Biomoléculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Ao centro, Ayla Sant'Ana ao lado da mestranda Ingrid Miguez e Felipe Amaral, bolsista de IC. No fundo, o pós-doc Gabriel Martins
Mas não são apenas os humanos que podem ser beneficiados pela manana. Substâncias derivadas deste açúcar já estão presentes nas rações de alta qualidade para cães e equinos. Produzidas a partir da parede celular de leveduras, elas agora poderão ser encontradas com maior facilidade na natureza. Outra composição que chamou a atenção dos pesquisadores do Labic é a formação de açúcares que funcionam como prebióticos, ou seja, alimentam as boas bactérias presentes em nosso organismo.
A preocupação de Ayla não se limita às perspectivas de sucesso nas pesquisas sobre o fruto. A bióloga também se interessa pelas possibilidades de geração de riqueza para os produtores de açaí da região. Neste segundo semestre de 2019, ela parte para uma pesquisa de campo entre as comunidades ribeirinhas no Amapá, uma colaboração com a pesquisadora Terezinha Soares dos Santos do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (Iepa). “Ainda não temos a resposta de como isso se daria, e também não queremos impor nada. Precisamos conhecer mais a fundo o trabalho feito pelos produtores”, diz a pesquisadora. Seu desejo é poder incluir pessoas da região em um mestrado ou doutorado na pesquisa, financiada pela cláusula de estímulo à diversidade na ciência prevista no edital do Instituto Serrapilheira.
Autor: Juliana Passos
Fonte: FAPERJ
Sítio Online da Publicação: FAPERJ
Data: 15/08/2019
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=3804.2.4
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