segunda-feira, 24 de maio de 2021

Pesquisadores investigam impactos da introdução do tucunaré em outros ecossistemas


Exemplares do tucunaré-amarelo (Cichla ocellaris): espécie causa desequilíbrios ambientais quando disseminada em outros ecossistemas (Foto: Divulgação)

O tucunaré é um dos principais recursos pesqueiros da Amazônia. Chegando a medir cerca de um metro de comprimento, ele possui uma mancha arredondada perto da cauda, conhecida como ocelo. Com grande apelo na pesca esportiva, a espécie conhecida como tucunaré-amarelo (Cichla ocellaris) foi sendo introduzida ao longo das últimas décadas, de forma indiscriminada, em reservatórios e açudes de outras regiões brasileiras e fora do País, gerando impactos ambientais inesperados. Um estudo conduzido pelos pesquisadores da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) Ana Clara Sampaio Franco e Luciano Neves dos Santos investigou os desequilíbrios causados pela introdução dessa espécie de peixe sobre as comunidades de peixes nativos, analisando de forma abrangente esses impactos em diversos países da América do Sul.

A pesquisa teve como desdobramento a publicação de um artigo na revista científica internacional Science of the Total Environmental, uma publicação do grupo Elsevier. Intitulado Ecological impacts of an invasive top predator fish across South America, o artigo é assinado pela dupla de pesquisadores da UniRio em colaboração com Emili García-Berthou, da Universidade de Girona, na Espanha, reconhecido pela sua expertise no estudo de espécies invasoras. Ana Clara recebe apoio da FAPERJ para o desenvolvimento de suas pesquisas, por meio do programa Pós-Doutorado Nota 10, enquanto o professor Luciano Santos, supervisor da pós-doutoranda e atual coordenador do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Neotropical (PPGBIO), da UniRio, foi contemplado pela Fundação com o programa Jovem Cientista do Nosso Estado (JCNE).

O tucunaré é originalmente uma espécie típica da região amazônica e da Bacia Tocantins-Araguaia, mas ele foi sendo introduzido pelo homem, até a década de 1990, em várias regiões brasileiras. “Existiam programas oficiais do governo brasileiro, já nos anos 1950, que preconizavam a introdução do tucunaré em represas recém-construídas, com o objetivo de repor numericamente as espécies de peixe afetadas pelo represamento. Porém, não se sabia na época que ele causaria impactos negativos sobre as espécies de peixes nativas. A partir dos anos 2000, o tucunaré foi deixando de ser introduzido em reservatórios por programas oficiais e começou a ser disseminado, furtivamente, em ambientes aquáticos para pesca esportiva, em todo o País”, contextualizou Ana Clara. Com uma capacidade de dispersão muito alta, a expansão dos tucunarés introduzidos nesses locais ocorre em detrimento de outras espécies que já habitavam o mesmo ecossistema. “No Panamá, um estudo comprovou que eles dominaram o lago Gatún, no vale do rio Chagres, o que acarretou na predação de espécies de peixes menores, usadas para a alimentação dos tucunarés e que, por sua vez, se alimentavam de larvas de mosquitos. Como consequência, a malária voltou a assolar a região”, citou Santos.

O estudo fluminense se destaca pela abrangência com que o tema foi investigado. “É o primeiro projeto de pesquisa que considerou dados sobre a introdução do tucunaré Cichla ocellaris em toda a América do Sul”, destacou Santos, que é o coordenador no Laboratório de Ictiologia Teórica e Aplicada (LICTA) da UniRio. “Analisamos uma escala geográfica ampla, incluindo rios, lagos e reservatórios, e não apenas um desses ambientes aquáticos, como costuma ocorrer em outros estudos. Foram 62 áreas analisadas ao todo, sendo 30 em áreas nativas e 32 sistemas em áreas onde o tucunaré foi introduzido. Avaliamos também dados secundários, com base na literatura, de países como Brasil, Paraguai, Bolívia, Peru e Guiana”, detalhou Ana Clara.


Os pesquisadores da UniRio Luciano Santos e Ana Clara Franco analisaram dados sobre a introdução do tucunaré em ecossistemas de países de toda a América do Sul (Foto: Divulgação)


O trabalho aponta que o barramento de rios e a introdução de espécies não-nativas representam, na atualidade, as principais ameaças à diversidade de peixes nativos de ambientes de água doce. “A construção de barragens e a introdução de espécies não-nativas, como o tucunaré-amarelo, geram impactos comprovados sobre a diversidade taxonômica e funcional da ictiofauna nativa”, disse Ana. A introdução do tucunaré nesses ambientes gera desequilíbrios em todo o ecossistema. Eles agem como uma espécie invasora e passam a competir com as espécies nativas por alimentos, e a serem predadores de outras. “Em locais onde o tucunaré foi introduzido há mais tempo, como por exemplo no reservatório de Lajes, localizado entre os municípios de Piraí e Rio Claro, no Sul Fluminense, os impactos negativos são mais evidentes. Lá, que foi um dos primeiros locais onde ele começou a ser introduzido fora da Amazônia, nos anos 1950, observamos uma quantidade bem menor de espécies nativas, que foram sendo substituídas por outras espécies invasoras, além do tucunaré, como a tilápia e a pescada”, disse Santos.

Segundo a pesquisa, os impactos da introdução do tucunaré nas áreas pesquisadas foram maiores em reservatórios do que em rios. “Comparamos os tipos de sistema e a introdução do tucunaré como espécie invasora gera um efeito negativo maior em reservatórios do que em rios, pois os primeiros são ambientes lênticos, de água parada, que favorecem o surgimento de populações mais numerosas de tucunarés, e, em consequência, uma menor riqueza de espécies nativas. Nos rios há uma abundância relativa menor de tucunarés invasores, eles não chegam a se tornar dominantes na comunidade e uma maior riqueza de espécies é preservada”, explicou Santos.

Os pesquisadores esperam que o estudo ajude a nortear a formulação de políticas públicas mais adequadas para o setor pesqueiro. “Nesse momento presenciamos algumas políticas públicas elaboradas sem o respaldo do conhecimento acadêmico, que naturalizam a presença de espécies invasoras, como a Lei do Tucunaré, que proíbe o abate de tucunaré nas águas da represa da usina hidrelétrica de Paraibuna, em São Paulo, ignorando os impactos que eles podem gerar sobre a comunidade de espécies nativas”, ponderou Ana Clara. “Esperamos que a pesquisa seja uma fonte de informações para subsidiar a implantação de medidas de manejo e mitigação sustentáveis das atividades potencialmente impactantes no setor, por parte dos órgãos responsáveis por esses sistemas”, concluiu.




Autor: Débora Motta
Fonte: faperj
Sítio Online da Publicação: faperj
Data: 21/05/2021
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=4212.2.4


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