sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Para produzir refrigeradores ambientalmente sustentáveis*

A exportação de aparelhos de ar condicionado e geladeiras ocupa um lugar de destaque na pauta brasileira de produtos direcionados aos países do Mercado Comum do Sul (Mercosul), ao lado de outros eletrodomésticos da chamada “linha branca” – fogões e lavadoras. A despeito do sucesso desse segmento do setor exportador, os refrigeradores ainda são fabricados com uma tecnologia que utiliza gases de efeito estufa, que contribuem para intensificar o aquecimento global. “Apesar de não serem tóxicos e de não destruírem a camada de ozônio, esses gases, baseados em fluorcarbonos [FC] e hidrofluorcarbonos [HFC], apresentam um potencial de aquecimento global, o chamado Global Warming Potential [GWP], muito alto”, explica Ângelo Marcio de Souza Gomes, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IF/UFRJ).




O professor Ângelo Gomes e o aluno de graduação Alberto Mendonça
observam o forno em operação no Laboratório de Física da UFRJ
(Fotos: Lécio Augusto Ramos)


Os gases de efeito estufa lançados no ar absorvem parte da radiação infravermelha, que é refletida principalmente pela superfície terrestre e tem origem nos raios solares. A concentração excessiva desses gases contribui para aumentar a temperatura global. Eles funcionam como uma cortina de gás que vai da superfície do planeta em direção ao espaço, impedindo que a energia do sol absorvida pela Terra durante o dia seja emitida de volta para o espaço. Assim, parte do calor fica aprisionado próximo da Terra, onde o ar é mais denso. O uso dos gases de efeito estufa nos aparelhos é uma realidade que não se restringe à indústria brasileira. “Nenhum país do mundo, mesmo os mais desenvolvidos, fabrica refrigeradores totalmente livres desses gases em escala comercial. Ainda temos pendências a resolver para assegurar o desenvolvimento sustentável, e essa é uma delas”, diz o físico.

Para investigar uma alternativa ao uso dos gases de efeito estufa nesses eletrodomésticos, o professor Angelo Gomes coordena, no Laboratório de Baixas Temperaturas do IF/UFRJ, um estudo das propriedades dos materiais magnéticos, que pode mudar significativamente a atual tecnologia de refrigeração. “O objetivo é desenvolver um sistema de refrigeração capaz de reduzir a emissão desses gases de efeito estufa para a atmosfera, que acontece, direta e indiretamente, com o uso desses novos materiais. A partir do seu efeito magnetocalórico, é possível obter um sistema de refrigeração ecologicamente correto, que elimina definitivamente o uso desses gases”, ressalta. O projeto recebeu apoio da FAPERJ por meio dos editais Prioridade Rio e Apoio às Instituições de Ensino e Pesquisa Sediadas no Estado do Rio de Janeiro, que destinaram recursos para a aquisição de equipamentos e para a montagem da infraestrutura do laboratório.

Em outras palavras, o grupo de pesquisadores do Laboratório de Baixas Temperaturas, que inclui o físico Luis Ghivelder, Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ, vem estudando a fabricação de novos materiais metálicos, com propriedades magnéticas. A ideia é caracterizar o seu potencial como base dos processos de refrigeração. “Estamos investigando o melhor material para ser usado num refrigerador magnético”, resume o professor Gomes, que começou a se dedicar ao tema durante a realização de seu pós-doutorado, no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), em 2000, e passou a coordenar o projeto na UFRJ assim que assumiu a coordenação do laboratório, em 2007.

O funcionamento do sistema magnético para refrigeração deve seguir os mesmos princípios físicos do sistema a gás utilizado atualmente nos aparelhos de ar condicionado e geladeiras. A alternância entre baixas e altas temperaturas será o modelo para a operação de ambos os sistemas. “Semelhante ao ciclo de compressão e expansão que esfria ou esquenta um gás nos refrigeradores, um campo magnético é capaz de fazer o mesmo em um material magnético”, esclarece o físico.


Ghivelder (à esq.) e Gomes, sentados, junto com alguns
integrantes do Laboratório de Baixas Temperaturas da UFRJ


Entre as qualidades para o material buscadas pelos pesquisadores, o custo é um fator importante. Atualmente, os altos preços são um gargalo à adoção desse novo sistema de refrigeração pela indústria. “Para a implementação dessa tecnologia, ainda é necessário o desenvolvimento de materiais magnéticos mais baratos e que apresentem alto potencial magnetocalórico, em diferentes faixas de temperatura e em baixos campos magnéticos”, detalha. “O gadolínio, por exemplo, é reconhecidamente um material metálico com propriedades magnéticas que podem ser usadas em refrigeradores, mas sua adoção pela indústria é inviável, por seu alto custo.”

Para desenvolver um material magnético eficiente e mais barato, o professor Gomes e a equipe envolvida no projeto estão trabalhando na elaboração de uma liga metálica – uma mistura reunindo diferentes elementos metálicos, denominada “liga de Heusler” – que envolve metais, como níquel, manganês e gálio. O desafio dos físicos da UFRJ é obter a “receita” correta para criar a melhor liga, ou seja, a composição exata de cada metal, com a respectiva concentração de dos elementos químicos, que seja a mais adequada às propriedades magnéticas desejadas para o material.

Assim, uma bateria de testes está em curso no laboratório. Um grande resultado foi obtido pela aluna de doutorado Catalina Salazar, orientanda do professor Gomes, que conseguiu reduzir o custo da liga metálica para a nova tecnologia de refrigeração em 36%, ao trocar o gálio pelo alumínio. Como reconhecimento, ela foi contemplada com o prêmio Rosa Elena Simeón de melhor tese de doutorado do Centro Latino-Americano de Física (Claf). A tese, intitulada “Estudo das propriedades estruturais, magnéticas e magnetocalóricas das ligas de Heusler Ni(MnCu)(GaAl) e compostos (MnCrFe)As”, foi defendida em 2012.

"Agora, em 2017, um estudo mais profundo em ligas Heusler no Laboratório de Baixas Temperaturas vem revelando características ainda mais interessantes, mantendo a redução de custo acima de 30% e atingindo um efeito magnetocalórico de tal magnitude que recebe o nome de gigante, sob valores de campo magnético cada vez menores", entusiasma-se o professor Gomes. O estudo desse material com suas melhorias e descobertas já rendeu prêmios consecutivos em jornadas de iniciação científica para o aluno de graduação Alberto Mendonça. Após tantos avanços e conquistas, atualmente o trabalho desenvolvido está em processo de publicação.

Assim, a expectativa é que a nova tecnologia, quando finalmente for desenvolvida, possa ser a chave de uma transição tecnológica na fabricação de refrigeradores, que vá ao encontro das iniciativas voltadas para a preservação do meio ambiente. “Desde o início dos anos 2000, há uma corrida entre pesquisadores de diversos países para o estudo do tema, e o Brasil não pode ficar de fora. Será uma tecnologia muito mais limpa”, destaca Gomes. “Será necessário fechar parceria com pesquisadores do ramo da engenharia para desenvolver o protótipo que poderá ser adotado pelos fabricantes e chegar ao mercado. Além da questão ambiental, alguns estudos mostram que o uso da tecnologia magnética faz com que o sistema de refrigeração seja de 40% a 60% mais eficiente em economia de energia”, afirma.

O projeto conta com a participação dos principais pesquisadores na área de refrigeração magnética no estado do Rio de Janeiro, tanto experimentais como teóricos, reconhecidos internacionalmente e com relevantes trabalhos científicos publicados. Da equipe do IF/UFRJ, além de Gomes e de Ghivelder, participam do projeto o doutorando Luiz Eduardo de Lima e Silva e o estudante de graduação em Física Alberto Aguiar Mendonça. Também colaboram com o estudo Mário Reis e Daniel Rocco, da Universidade Federal Fluminense; Pedro von Ranke e Vinicius Sousa, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj); e Armando Takeuchi, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).



*Reportagem originalmente publicada em Rio Pesquisa, Ano VII, Nº 28 (Setembro de 2014)




Autora: Débora Motta
Fonte: faperj
Sítio Online da Publicação: faperj
Data de Publicação: 23/11/2017
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=3498.2.4

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