Consentimento informado é um conceito amplo de humanização na área da saúde, que vai muito além dos documentos assinados por pacientes e familiares antes de procedimentos médicos
A prática do consentimento informado ainda é pouco difundida no Brasil, sendo, portanto, incompreendida por parte dos profissionais da saúde e seus usuários. Por meio da coleta de dados em dois hospitais do Estado de São Paulo, a advogada Márcia Araújo Sabino de Freitas concluiu, em sua tese de doutorado, que pessoas em tratamento contra o câncer não conhecem todos os riscos dos procedimentos a que são submetidas.
O conceito estudado por Márcia se relaciona com a humanização do atendimento à saúde, no qual os profissionais compartilham informações, valores e sentimentos com os usuários. “Consentimento informado vem tentar colocar os sujeitos em um patamar de igualdade. Não, claro, de conhecimento técnico, mas em termos de uma relação entre seres humanos”, afirma.
O consentimento informado é muito confundido com os termos aplicados por hospitais antes da realização de algum procedimento, como a tomografia e quimioterapia. Porém, na legislação não há qualquer obrigatoriedade quanto à assinatura desses termos. Os hospitais fazem uso desse recurso para evitar possíveis processos judiciais.
“O papel pode ser assinado e não ter havido consentimento real. Por outro lado, pode haver um consentimento informal, uma relação baseada no diálogo, e não existir um papel.”
Por ser um tema novo, não existiam dados que pudessem fornecer informações sobre como ocorre essa prática na assistência à saúde no País. Assim, a doutora em Saúde Pública pela USP analisou a área de oncologia do Hospital do Câncer de Barretos e do Hospital Israelita Albert Einstein. Optou por hospitais referências em tratamento contra o câncer, que prezam pela humanização na saúde, sendo o primeiro da rede pública, enquanto o segundo, particular.
A pesquisadora entrevistou 105 pessoas para saber a compreensão sobre os riscos dos procedimentos a que seriam submetidas. Os riscos foram reportados através dos termos, que haviam sido assinados antes do início do tratamento. Caso o paciente relatasse apenas um efeito colateral – utilizado por Márcia como sinônimo de risco –, já seria classificado como tendo compreendido. A média entre os dois hospitais demonstrou que apenas 58% dos entrevistados souberam elencar um risco. “A compreensão das informações é muito importante para o consentimento informado. Só pode decidir quem consegue entender”, diz.
Entre as variáveis utilizadas pela pesquisadora, a renda foi a que mais influiu no entendimento dos usuários, seguida do nível educacional. Em contrapartida, não houve diferença estatisticamente relevante na compreensão entre o hospital público e o privado. Quanto aos termos, Márcia concluiu que estão cada vez mais voltados para o âmbito jurídico, com uma legibilidade inadequada para a maioria das pessoas. Exige-se um grau elevado de escolaridade para que sejam lidos com clareza.
Por outro lado, os usuários das unidades de saúde souberam relatar o histórico da doença, isto é, como ela foi descoberta e todos os procedimentos feitos desde então. Para Márcia, o problema está no fato de não conseguirem responder o contexto e os objetivos de tais procedimentos. “As pessoas falaram que ficam felizes quando estão bem informadas. Às vezes, isso é mais importante do que ter um equipamento de última geração”. O consentimento informado é fundamental para que se estabeleça uma relação de confiança entre os envolvidos. “Eu gostei que antes de fazer a cirurgia eles me entrevistaram para saber quem eu era. Só tenho a agradecer”, relatou uma das entrevistadas para a advogada.
A tese da pesquisadora contribui para que os hospitais repensem a efetividade dos termos de consentimento e, assim, façam pequenas mudanças na forma de conduzir a questão. É necessário evitar a associação dos termos com os documentos relativos a pagamentos – no caso do hospital particular – e, de preferência, devem ser entregues por médicos que possam esclarecer as dúvidas dos pacientes.
“Defendo a união das humanidades e das ciências. Acho que para uma compreensão mais universal do ser humano e das relações humanas, elas teriam que voltar a se unir”, conclui Márcia.
A tese Bioética e direito no sistema de saúde brasileiro: a prática do consentimento informado nos cenários da oncologia de um hospital do SUS e um particular foi defendida em 2017, na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e teve orientação da professora Sueli Gandolfi Dallari.
Autor: Larissa Fernandes - Editorias: Ciências da Saúde
Fonte: jornal.usp
Sítio Online da Publicação: jornal.usp
Data de Publicação: 20/12/2017
Publicação Original: http://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-da-saude/falta-compreensao-dos-riscos-em-tratamentos-para-a-saude/
A prática do consentimento informado ainda é pouco difundida no Brasil, sendo, portanto, incompreendida por parte dos profissionais da saúde e seus usuários. Por meio da coleta de dados em dois hospitais do Estado de São Paulo, a advogada Márcia Araújo Sabino de Freitas concluiu, em sua tese de doutorado, que pessoas em tratamento contra o câncer não conhecem todos os riscos dos procedimentos a que são submetidas.
O conceito estudado por Márcia se relaciona com a humanização do atendimento à saúde, no qual os profissionais compartilham informações, valores e sentimentos com os usuários. “Consentimento informado vem tentar colocar os sujeitos em um patamar de igualdade. Não, claro, de conhecimento técnico, mas em termos de uma relação entre seres humanos”, afirma.
O consentimento informado é muito confundido com os termos aplicados por hospitais antes da realização de algum procedimento, como a tomografia e quimioterapia. Porém, na legislação não há qualquer obrigatoriedade quanto à assinatura desses termos. Os hospitais fazem uso desse recurso para evitar possíveis processos judiciais.
“O papel pode ser assinado e não ter havido consentimento real. Por outro lado, pode haver um consentimento informal, uma relação baseada no diálogo, e não existir um papel.”
Por ser um tema novo, não existiam dados que pudessem fornecer informações sobre como ocorre essa prática na assistência à saúde no País. Assim, a doutora em Saúde Pública pela USP analisou a área de oncologia do Hospital do Câncer de Barretos e do Hospital Israelita Albert Einstein. Optou por hospitais referências em tratamento contra o câncer, que prezam pela humanização na saúde, sendo o primeiro da rede pública, enquanto o segundo, particular.
A pesquisadora entrevistou 105 pessoas para saber a compreensão sobre os riscos dos procedimentos a que seriam submetidas. Os riscos foram reportados através dos termos, que haviam sido assinados antes do início do tratamento. Caso o paciente relatasse apenas um efeito colateral – utilizado por Márcia como sinônimo de risco –, já seria classificado como tendo compreendido. A média entre os dois hospitais demonstrou que apenas 58% dos entrevistados souberam elencar um risco. “A compreensão das informações é muito importante para o consentimento informado. Só pode decidir quem consegue entender”, diz.
Entre as variáveis utilizadas pela pesquisadora, a renda foi a que mais influiu no entendimento dos usuários, seguida do nível educacional. Em contrapartida, não houve diferença estatisticamente relevante na compreensão entre o hospital público e o privado. Quanto aos termos, Márcia concluiu que estão cada vez mais voltados para o âmbito jurídico, com uma legibilidade inadequada para a maioria das pessoas. Exige-se um grau elevado de escolaridade para que sejam lidos com clareza.
Por outro lado, os usuários das unidades de saúde souberam relatar o histórico da doença, isto é, como ela foi descoberta e todos os procedimentos feitos desde então. Para Márcia, o problema está no fato de não conseguirem responder o contexto e os objetivos de tais procedimentos. “As pessoas falaram que ficam felizes quando estão bem informadas. Às vezes, isso é mais importante do que ter um equipamento de última geração”. O consentimento informado é fundamental para que se estabeleça uma relação de confiança entre os envolvidos. “Eu gostei que antes de fazer a cirurgia eles me entrevistaram para saber quem eu era. Só tenho a agradecer”, relatou uma das entrevistadas para a advogada.
A tese da pesquisadora contribui para que os hospitais repensem a efetividade dos termos de consentimento e, assim, façam pequenas mudanças na forma de conduzir a questão. É necessário evitar a associação dos termos com os documentos relativos a pagamentos – no caso do hospital particular – e, de preferência, devem ser entregues por médicos que possam esclarecer as dúvidas dos pacientes.
“Defendo a união das humanidades e das ciências. Acho que para uma compreensão mais universal do ser humano e das relações humanas, elas teriam que voltar a se unir”, conclui Márcia.
A tese Bioética e direito no sistema de saúde brasileiro: a prática do consentimento informado nos cenários da oncologia de um hospital do SUS e um particular foi defendida em 2017, na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e teve orientação da professora Sueli Gandolfi Dallari.
Autor: Larissa Fernandes - Editorias: Ciências da Saúde
Fonte: jornal.usp
Sítio Online da Publicação: jornal.usp
Data de Publicação: 20/12/2017
Publicação Original: http://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-da-saude/falta-compreensao-dos-riscos-em-tratamentos-para-a-saude/
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