© LÉO RAMOS CHAVES
Myers durante visita a São Paulo em julho deste ano, quando deu curso para alunos da América Latina que concorreriam a mestrado internacional
O físico canadense Robert Myers, 58 anos, iniciou sua carreira de pesquisador nos anos 1980 tentando descobrir como seriam os buracos negros em um Universo com mais dimensões do que as quatro conhecidas – três de espaço (comprimento, largura e altura) e uma de tempo. O trabalho não saiu como esperava. Mas abriu o caminho para ele se tornar uma referência internacional em teoria das cordas, o modelo físico segundo o qual o Universo seria formado por filamentos microscópicos – as cordas – que vibrariam em até 10 dimensões.
Desde então, Myers já publicou 211 artigos, que foram mencionados cerca de 22 mil vezes, e vem delineando os rumos de como usar a teoria das cordas para entender a força da gravidade. Ele foi considerado recentemente um dos pesquisadores mais influentes em sua área. Seu nome estava nas edições de 2014 e 2015 do ranking World’s Most Influential Scientific Minds, que reúne os autores dos artigos mais citados na última década em diferentes áreas da ciência.
Myers cresceu em Deep River, uma cidadezinha com 5 mil moradores na província de Ontário, no Canadá. Decidiu estudar física por ser a área que lhe parecia mais desafiadora e, desde 2001, integra o time de pesquisadores do Perimeter Institute for Theoretical Physics, um dos centros de física teórica mais inovadores do mundo, sediado em Waterloo, também na província de Ontário.
Em julho, Myers esteve em São Paulo e deu aulas para quase 100 alunos de graduação em física da América Latina que estão em nível avançado. Eles se preparavam para concorrer às poucas vagas de um mestrado a ser feito parte no Perimeter, parte no Centro Internacional de Física Teórica (ICTP) do Instituto Sul-americano para Pesquisa Fundamental (Saifr), na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Na entrevista a seguir, Myers falou sobre trabalhar no Perimeter e a respeito da área da física que vem ajudando a desenvolver.
O senhor está no Perimeter desde o início e também é professor na Universidade de Waterloo. Quais as diferenças entre as duas instituições?
Creio ter sido o primeiro pesquisador contratado pelo Perimeter. A Universidade de Waterloo é uma instituição grande, com uns 10 mil alunos e vários interesses e atividades. Tem boa reputação em engenharia e matemática. Em física, começa a melhorar. No Perimeter, o foco é a física. Fica em Waterloo porque é lá que Mike Lazaridis tem seu negócio [ele é o dono da empresa de celulares BlackBerry e fez a doação de US$ 100 milhões para fundar o Perimeter]. Quando criaram o instituto, queriam parcerias com outras instituições, mas houve uma decisão consciente de não fazer parte da universidade. Temos parceria com as universidades de Toronto, York, McMaster e Western. Contratamos professores com eles e trabalhamos com seus alunos. Isso nos dá flexibilidade. Em uma universidade, as pessoas fazem parte de uma equipe maior, que segue as prioridades estabelecidas pela reitoria. É preciso negociar mais e tentar convencer as outras partes de que as suas metas pessoais também são importantes. No Perimeter, definimos nossas prioridades sem interferências.
Vocês têm liberdade para escolher o que pesquisar.
Sim, e é muito mais fácil mudar de área e experimentar novos caminhos. Em parte, porque somos uma instituição pequena. Também há uma característica ali que é mirar alto e ir atrás de questões desafiadoras.
Quantos alunos há no Perimeter? O nível dos estudantes é diferente dos de outras instituições?
Somados, não passam de 100. São cerca de 30 alunos no mestrado e 45 no doutorado. Há o programa Visiting Graduate Fellowship, que todos os anos traz um bom número de alunos de pós-graduação de nível avançado. Eles trabalham um tempo no Perimeter, mas fazem suas teses e pesquisas em outras universidades. Todos nossos estudantes são alunos de Waterloo, uma vez que não é o instituto que concede os títulos de mestrado e doutorado. A ideia inicial era fazer algo bem-feito. Ao estabelecer parcerias, o instituto e as outras instituições se beneficiam mutuamente. Hoje, Waterloo atrai alunos de física melhores do que há 15 anos.
Recentemente o senhor foi escolhido duas vezes um dos cientistas mais influentes do mundo em sua área. Além disso, já publicou mais de 200 artigos, citados 22 mil vezes. Qual o segredo?
Trabalhei muito. Não sei que conselho dar. Digo para meus alunos que devem buscar algo de que realmente gostem. O resto vem com o esforço. Vejo muita gente perseguindo uma carreira por precisar de um trabalho para sobreviver. Tive a sorte de conseguir um trabalho divertido. O entusiasmo nutre muitos pesquisadores. É muito mais do que um trabalho ou uma carreira, é algo pelo qual somos apaixonados. Gostamos de trabalhar duro, por longas horas, para descobrir novas fórmulas ou analisar resultados de experimentos.
Seu artigo mais citado (1.539 vezes) é sobre buracos negros. O que estudou?
Esse artigo é de 1986. Foi minha tese de doutorado na Universidade de Princeton, Estados Unidos. Na época, houve uma segunda revolução na teoria das cordas, que animou as pessoas. Vivemos em um espaço-tempo de quatro dimensões, três de espaço e uma de tempo. E a teoria das cordas é formulada em um espaço-tempo com até 10 dimensões. Estava interessado em saber como seriam os buracos negros em um Universo com mais de quatro dimensões. Tinha uma ideia em mente, mas não deu certo. Os buracos negros são objetos que surgem em condições extremas, em que a gravidade é muito intensa, e poderiam fornecer informações sobre vários aspectos da teoria. Uma de suas características mais animadoras é que ela é uma teoria de gravitação quântica [a teoria das cordas inclui uma descrição quântica da gravidade e tenta compatibilizar a mecânica quântica, que descreve três forças físicas – eletromagnética, nuclear forte e nuclear fraca – relevantes para os fenômenos microscópicos, com a teoria da relatividade geral, de Einstein, que trata da força da gravidade e descreve os fenômenos macroscópicos]. Com o tempo, os físicos encontraram conexões e foram capazes de estudar buracos negros e ter insights sobre a teoria das cordas.
Não era usual estudar buracos negros em várias dimensões?
Era algo à frente do tempo. Isso interessou a mim e a meu orientador, Malcolm John Perry. À medida que avancei, tentei aproveitar as oportunidades. Costumo dizer que temos uma caixa de ferramentas de ideias e técnicas. Quanto mais ferramentas se coloca na caixa, maior a capacidade de resolver problemas. No momento, estou animado em trabalhar em uma área que tenta entender como as ideias da teoria da informação quântica seriam úteis para entender buracos negros e gravitação quântica.
O que gostaria de descobrir?
Buracos negros são uma espécie de playground para os matemáticos. Atualmente, qualquer teoria que tente explicar fenômenos astrofísicos muito energéticos os atribui a buracos negros. Há uns 40 anos, pensavam-se em soluções mais elegantes. No início dos anos 1970, Jacob Bekenstein [1947-2015] foi o primeiro físico a olhar para os buracos negros sob uma perspectiva diferente e tentar incorporar na relatividade geral, que trata da gravidade, ideias da teoria da informação. Ele realizou experimentos mentais que tentavam imaginar como seria a física envolvida em certo fenômeno e disse que, para a física que conhecemos fazer sentido, os buracos negros deveriam ter entropia [medida de como a energia pode ser distribuída entre os componentes microscópicos desse objeto]. Também falou que essa entropia deveria ser proporcional à área da superfície do buraco negro. Muita gente viu isso com ceticismo. Ter entropia significa apresentar uma estrutura interna, como as moléculas de um gás encerrado em uma sala. E, do ponto de vista da relatividade geral, não fazia sentido pensar em uma estrutura interna para buracos negros.
Como a ideia foi recebida?
Bekenstein era aluno de pós-graduação em Princeton e as pessoas o questionaram, até que, anos depois, Stephen Hawking propôs que, quando ocorrem flutuações quânticas nos buracos negros, eles podem liberar radiação térmica. Se esses objetos funcionam como um reservatório de calor, eles têm de ter entropia. Bekenstein e Hawking realizaram uma predição muito precisa sobre o que seria a entropia do buraco negro. É uma fórmula notável. De um lado, ela traz informação sobre a área, uma característica geométrica bidimensional do espaço-tempo. Do outro, ela apresenta a entropia, que insinua algo sobre a estrutura interna, sobre o estado quântico que compõe o buraco negro. Essa fórmula sugere que a informação sobre a estrutura interna ou a natureza quântica do buraco negro pode estar codificada na sua geometria. Conto essa história porque, para tentar entender mais profundamente essa ideia e outras relacionadas, retornamos o tempo todo à questão de como a geometria do espaço-tempo codifica a informação sobre os estados microscópicos que não podemos ou ainda não conseguimos ver. Bekenstein percebeu cedo que a entropia era uma forma de caracterizar a informação, mas levou um tempo para reconhecermos. Em vez de usar a teoria da informação para tentar entender aspectos relevantes da gravidade e dos buracos negros, hoje usamos a teoria da informação quântica, uma área que cresceu a partir da ideia de usar a mecânica quântica para produzir novos tipos de computadores.
Como esse conhecimento poderia ser usado?
Para construir computadores mais rápidos ou entender melhor o comportamento da matéria. Há teorias sobre a matéria condensada que usam a entropia de emaranhamento ou ideias da teoria da informação quântica para caracterizar estados novos da matéria [são estados exóticos que não podem ser descritos por fenômenos – magnetismo, densidade e outros – usados para caracterizar a matéria comum]. Isso já ofereceu ferramentas para os físicos no passado. Agora um novo grupo de físicos está indo até os teóricos da informação quântica para pegar emprestadas novas ferramentas que podem nos permitir olhar de modo diferente para questões que estão sendo analisadas há muito tempo.
Que tipo de questão gostaria de responder com essas ferramentas?
Em última análise, descobrir como unificar as teorias que descrevem as quatro forças conhecidas, um dos grandes mistérios para os físicos teóricos. De um lado, temos a mecânica quântica. Ela funciona muito bem e faz predições e verificações experimentais, mas na escala dos átomos. De outro, temos a relatividade geral, que descreve os fenômenos associados aos objetos maiores, como o movimento dos planetas ou a evolução do Universo. Como físico teórico, consigo imaginar experimentos mentais em que as duas teorias teriam um papel importante. Deveria haver um modo uni-las. Mas ainda não descobrimos como fazer isso de modo consistente. A esperança é de que não estejamos olhando para os problemas da maneira certa e que a teoria da informação quântica nos ajude a progredir.
O objetivo é alcançar a chamada teoria do tudo?
Pode-se chamar assim. Alguns dizem teoria da gravitação quântica.
Uma das ferramentas utilizadas é o princípio holográfico, uma proposta teórica segundo a qual seria possível descrever a informação contida em um espaço tridimensional, como uma esfera, a partir do que se conhece de sua superfície, um espaço bidimensional. É uma tentativa de eliminar a gravidade da história?
De certo modo, é. Penso na holografia como um dicionário. Há fenômenos que queremos descrever e podemos usar duas línguas. Uma delas é uma classe especial de teoria quântica de campos, a chamada teoria de campos conforme. Os detalhes não importam, mas, nessa linguagem, não existe gravidade. Na outra, usamos gravidade, mas em uma dimensão a mais. Um dos obstáculos é que, de um lado, tenho a teoria quântica de campos, que descreve um mundo em três dimensões, duas de espaço e uma de tempo. Como vou usá-la para descrever fenômenos que ocorrem em quatro dimensões, três de espaço e uma de tempo?
A gravidade não é importante na escala tratada pela teoria quântica de campos?
Não é bem isso. Na teoria quântica de campos não existe o conceito de gravidade. É como se fosse uma língua na qual essa palavra não existisse. Então, não tenho de me preocupar com ela. É uma vantagem porque essa teoria é um sistema com o qual deveríamos nos sentir confortáveis para fazer os cálculos. Como a física que descrevo com essa teoria é a mesma que descrevo com a relatividade geral, que tem gravidade, usamos nossa intuição para entender como as coisas funcionam em uma delas e depois tentamos traduzir e entender o que isso significa na outra. Há um diálogo, na realidade. Em algumas situações usamos a relatividade geral para fazer cálculos que são difíceis na teoria quântica de campos e, assim, aprender algo sobre esta. Em outras, fazemos os cálculos com as ferramentas da teoria quântica de campos para tentar aprender algo novo sobre a gravidade. É uma obra em desenvolvimento há uns 20 anos, um dicionário complicado de entender.
O que gostaria de descobrir no final?
Gostaria de entender o que é a radiação Hawking que escapa dos buracos negros. Não entrei em detalhes, mas parece haver inconsistências.
No fato de os buracos negros emitirem alguma forma de radiação?
Emitir radiação significa liberar energia. Se passasse um tempo longo o suficiente, o buraco negro poderia emitir toda a sua energia e desaparecer. Isso cria um paradoxo, porque a mecânica quântica determina que a informação não pode desaparecer no Universo, ela tem de ser conservada, assim como ocorre com a energia. É uma pergunta importante que, talvez, só seja respondida por uma teoria completa de gravitação quântica.
O que essa teoria completa permitiria descrever?
Tudo, da menor à maior escala. Isso seria importante, por exemplo, para entender como devem ter sido os instantes iniciais do Universo. Sabemos que o Cosmo está em expansão acelerada. Se pudéssemos reverter o tempo, veríamos ele encolher até um momento em que os efeitos da gravidade quântica se tornariam importantes. Em princípio, ela poderia nos dar um insight sobre de onde veio o Universo, onde tudo começou.
Autor: RICARDO ZORZETTO | ED. 259 |
Fonte: fapesp
Sítio Online da Publicação: fapesp
Data de Publicação: SETEMBRO 2017
Publicação Original: http://revistapesquisa.fapesp.br/2017/09/22/um-dicionarista-do-cosmo/?cat=ciencia
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