Os níveis de poluentes lançados na atmosfera caíram em consequência da implementação de políticas públicas de controle da poluição por veículos automotores, que levou ao desenvolvimento de motores mais eficientes e menos poluentes (verPesquisa FAPESP nº 224). Parte dessa queda também se deveu ao efeito combinado da adição do etanol à gasolina e do aumento do número de carros flex, que já compõem mais da metade da frota de veículos leves da Região Metropolitana de São Paulo. O etanol emite menos monóxido de carbono (CO), hidrocarbonetos (HC) e óxidos de nitrogênio (NOx) do que a gasolina e, desde 1993, é adicionado ao derivado de petróleo em proporções crescentes – hoje cada litro de gasolina contém 27% de etanol. Contribuíram ainda para melhorar a qualidade do ar do paulistano a adoção de processos de produção mais limpos pela indústria, como a substituição de caldeiras a óleo por caldeiras a eletricidade, e a mudança nos anos 1980 e 1990 de muitas fábricas para outras cidades.
De 1988 a 2015, os carros que circulam por São Paulo passaram a emitir 20 vezes menos CO, NOx e material particulado e 40 vezes menos HC. Já as emissões dos mesmos poluentes por veículos pesados (caminhões e ônibus), para os quais a regulamentação surgiu mais tarde, caíram três vezes, segundo análises feitas por pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), apresentadas em três artigos publicados este ano nas revistas Atmospheric Environment, Atmospheric Chemistry and Physics e Journal of Transport & Health. Dados da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), que monitora a qualidade do ar na RMSP, mostram, no entanto, que, apesar do aprimoramento dos motores e do uso de etanol puro ou associado à gasolina, os veículos leves (carros e motos) e os pesados continuam sendo as principais fontes poluidoras da atmosfera na metrópole.
A principal razão de a qualidade do ar não ter melhorado ainda mais nos últimos anos foi o aumento substancial no número de veículos na região, que saltou de 1 milhão, em 2000, para quase 7 milhões, em 2014. “Apesar de os veículos estarem mais eficientes e poluírem menos, a frota cresceu muito”, lembra a física Maria de Fátima Andrade, do IAG-USP, coordenadora dos três estudos. Com mais carros nas ruas, o volume de combustível consumido cresceu 25% em menos de uma década: passou de 5,5 bilhões de litros por ano, em 2007, para quase 7 bilhões, em 2014, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo.
Dos principais poluentes avaliados pelo grupo do IAG-USP, só um não diminuiu de modo consistente: o ozônio, um poluente secundário, resultado de reações de compostos produzidos pelos motores com substâncias da atmosfera e a radiação solar. As concentrações desse gás, que causa irritação nas vias respiratórias e aumenta o risco de infecções, baixaram até meados da década passada, mas, em seguida, voltaram a subir, embora não tenham atingido níveis tão elevados quanto os da metade dos anos 1990. Além dos gases lançados ao ar pelo escapamento dos veículos, vapores de combustível liberados durante o abastecimento parecem contribuir de modo relevante para a formação de ozônio e outros poluentes secundários. É que, a cada litro despejado nos tanques, alguns mililitros sobem na forma de vapor para a atmosfera. Parece pouco, mas, segundo a pesquisadora do IAG, o impacto final pode ser importante – superior ao dos gases liberados pelo escapamento de carros e caminhões –, dado o volume total de combustível abastecido na RMSP. “Os processos evaporativos não são dimensionados adequadamente”, afirma Maria de Fátima. “É possível que o impacto desses vapores esteja sendo subestimado.”
Hoje o componente da poluição que mais preocupa os especialistas, por representar um maior risco para a saúde humana, é o chamado material particulado ou MP: uma mistura de partículas sólidas ou líquidas muito pequenas. Elas são produzidas diretamente pelos motores durante a queima do combustível ou formadas na atmosfera a partir de certos gases. Seu tamanho é inversamente proporcional à capacidade de causar problemas à saúde: quanto menores suas dimensões, mais tempo elas permanecem em suspensão no ar e maiores os potenciais efeitos danosos. Por serem tão pequenas, elas penetram facilmente no trato respiratório e ali se acumulam, podendo provocar inflamações pulmonares, agravar doenças como a asma e até causar problemas em outros órgãos.
Na RMSP, a Cetesb monitora tanto a concentração das maiores, as partículas inaláveis com até 10 micrômetros de diâmetro (MP10), como a das partículas inaláveis finas, de até 2,5 micrômetros (MP2,5). Os níveis de ambas vêm diminuindo, embora continuem superiores aos recomendados pela OMS. Mas a Cetesb não mede os níveis de partículas ainda menores – as chamadas ultrafinas, com diâmetro da ordem de nanômetros –, produzidas em maior quantidade por veículos movidos a gasolina do que a álcool.
Um estudo realizado com a colaboração de pesquisadores do Instituto de Física (IF) da USP e publicado em julho deste ano na revista Nature Communications relatou um aumento de 30% na concentração de partículas ultrafinas (menos de 50 nanômetros de diâmetro) na cidade de São Paulo entre janeiro e maio de 2011. Nesse período, houve alta considerável no preço do etanol e os motoristas de carros bicombustível passaram a consumir mais gasolina do que álcool. Os dados de poluição foram coletados na estação do Instituto de Física e usados para alimentar modelos estatísticos que consideraram o tráfego, as informações meteorológicas e o comportamento do consumidor. “A modelagem indicou que, quando os preços do etanol voltaram a cair, o consumo de gasolina baixou e a concentração dessas partículas medida na atmosfera também diminuiu”, conta o físico Paulo Artaxo, professor do IF-USP e um dos autores do estudo.
© LÉO RAMOS CHAVES
Hoje o componente da poluição que mais preocupa os especialistas, por representar um maior risco para a saúde humana, é o chamado material particulado ou MP: uma mistura de partículas sólidas ou líquidas muito pequenas. Elas são produzidas diretamente pelos motores durante a queima do combustível ou formadas na atmosfera a partir de certos gases. Seu tamanho é inversamente proporcional à capacidade de causar problemas à saúde: quanto menores suas dimensões, mais tempo elas permanecem em suspensão no ar e maiores os potenciais efeitos danosos. Por serem tão pequenas, elas penetram facilmente no trato respiratório e ali se acumulam, podendo provocar inflamações pulmonares, agravar doenças como a asma e até causar problemas em outros órgãos.
Na RMSP, a Cetesb monitora tanto a concentração das maiores, as partículas inaláveis com até 10 micrômetros de diâmetro (MP10), como a das partículas inaláveis finas, de até 2,5 micrômetros (MP2,5). Os níveis de ambas vêm diminuindo, embora continuem superiores aos recomendados pela OMS. Mas a Cetesb não mede os níveis de partículas ainda menores – as chamadas ultrafinas, com diâmetro da ordem de nanômetros –, produzidas em maior quantidade por veículos movidos a gasolina do que a álcool.
Um estudo realizado com a colaboração de pesquisadores do Instituto de Física (IF) da USP e publicado em julho deste ano na revista Nature Communications relatou um aumento de 30% na concentração de partículas ultrafinas (menos de 50 nanômetros de diâmetro) na cidade de São Paulo entre janeiro e maio de 2011. Nesse período, houve alta considerável no preço do etanol e os motoristas de carros bicombustível passaram a consumir mais gasolina do que álcool. Os dados de poluição foram coletados na estação do Instituto de Física e usados para alimentar modelos estatísticos que consideraram o tráfego, as informações meteorológicas e o comportamento do consumidor. “A modelagem indicou que, quando os preços do etanol voltaram a cair, o consumo de gasolina baixou e a concentração dessas partículas medida na atmosfera também diminuiu”, conta o físico Paulo Artaxo, professor do IF-USP e um dos autores do estudo.
© LÉO RAMOS CHAVES
Marginal do rio Pinheiros, uma das vias mais movimentadas da cidade de São Paulo
Da gestação à velhice
Para o patologista Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina (FM) da USP, diminuir a concentração de partículas finas e ultrafinas de poluição no ar é, literalmente, uma questão de vida ou morte. “Existem vários níveis de vulnerabilidade das pessoas à poluição do ar e uma parte delas morre por conta dos problemas de saúde causados pela poluição, especialmente dos provocados por partículas tão pequenas”, conta Saldiva, coordenador de um estudo que estimou que a cada ano cerca de 3,5 mil pessoas morrem na cidade de São Paulo por causa da poluição (ver Pesquisa FAPESP nº 129). “Elas se depositam nos alvéolos pulmonares e, de lá, chegam facilmente ao sistema nervoso central e a outras partes do organismo”, conta Saldiva, líder na FM-USP de uma equipe que atualmente investiga se há uma conexão entre a exposição prolongada à poluição e o desenvolvimento da doença de Alzheimer em seres humanos. Tempos atrás seu grupo havia observado que filhotes de roedoras expostas à poluição ambiental da cidade nasciam com baixo peso, por problemas na placenta que dificultariam a passagem de nutrientes. Os pesquisadores também obtiveram indícios de que a exposição prolongada aos poluentes – em especial às partículas finas e ultrafinas – prejudica o desenvolvimento dos pulmões.
Para Saldiva, é urgente que se adotem iniciativas para melhorar o transporte público, como o uso de combustíveis mais limpos e a aplicação de novas tecnologias para reduzir o tempo de viagem, a fim de que baixem os níveis de poluentes para os valores recomendados pela OMS. “A exposição prolongada à poluição nos inflige um risco difícil de evitar, porque ela reproduz no organismo o que o cigarro faz a um fumante”, afirma. “Eu decido se fumo ou não, mas não tenho como fazer esse tipo de escolha ao respirar o ar de São Paulo.”
Projetos
1. Narrowing the uncertainties on aerosol and climate changes in São Paulo State: NUANCES-SPS (nº 08/58104-8); Modalidade Projeto Temático; Programa Mudanças Climáticas (PFPMCG); Pesquisadora responsável Maria de Fátima Andrade (USP); Investimento R$ 3.297.909,37.
2. GoAmazon: Interação da pluma urbana de Manaus com emissões biogênicas da Floresta Amazônica (nº 13/05014-0); Modalidade Projeto Temático; ProgramaMudanças Climáticas (PFPMCG); Pesquisador responsável Paulo Eduardo Artaxo Neto (USP); Investimento R$ 4.290.930,31.
Artigos científicos
ANDRADE, M. F. et al. Air quality in the megacity of São Paulo: Evolution over the last 30 years and future perspectives. Atmospheric Environment. v. 159, p. 66-82. jun. 2017.
PACHECO, M. T. et al. A review of emissions and concentrations of particulate matter in the three major metropolitan areas of Brazil. Journal of Transport & Health. v. 4, p. 53-72. mar. 2017.
VARA-VELA, A. et al. Impact of vehicular emissions on the formation of fine particles in the Sao Paulo Metropolitan Area: A numerical study with the WRF-Chem model. Atmospheric Chemistry and Physics. v. 16 (2), p. 777-97. jan. 2017.
SALVO, A. et al. Reduced ultrafine particle levels in São Paulo’s atmosphere during shifts from gasoline to ethanol use. Nature Communications. jul. 2017.
Autor: DIEGO FREIRE | ED. 259 |
Fonte: fapesp
Sítio Online da Publicação: fapesp
Data de Publicação: SETEMBRO 2017
Publicação Original: http://revistapesquisa.fapesp.br/2017/09/22/perigo-no-ceu-de-sao-paulo/?cat=ciencia
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