segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Modelo alternativo propõe que sobras da formação dos planetas do Sistema Solar deram origem ao cinturão de asteroides

Bilhões de corpos de formato irregular, a maioria do tamanho de uma pedra e uns poucos com centenas de quilômetros de diâmetro, giram em torno do Sol na região compreendida entre as órbitas de Marte, o último dos quatro planetas rochosos, e Júpiter, o maior de nosso sistema. Esse grupo de rochas em órbita compõe o que se convencionou chamar cinturão de asteroides. A origem da aglomeração de asteroides é um mistério, mas as ideias mais aceitas partem do pressuposto de que havia uma quantidade muito maior de matéria nessa região nos primórdios do Sistema Solar e, por algum motivo, 99% dela teria sido expelida dali. Os astrofísicos André Izidoro, do Grupo de Dinâmica Orbital e Planetologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Guaratinguetá, e Sean Raymond, da Universidade de Bordeaux, na França, propuseram um novo modelo, baseado em simulações computacionais, para explicar a origem do cinturão que adota uma visão radicalmente oposta às ideias mais tradicionais. A dupla publicou artigo em 13 de setembro na revista científica Science Advances com os detalhes de seu modelo alternativo.



Segundo os dois astrofísicos, a região em que está hoje o cinturão teria sido um grande vazio de matéria no nascimento do Sistema Solar, há cerca de 4,5 bilhões de anos, em vez de ter sido um lugar com grande concentração de massa, como advogam os modelos mais difundidos. Por essa nova proposta, a configuração atual do cinturão não decorre de uma enorme perda de matéria ao longo da história do sistema, mas de um modesto ganho de matéria. “A parte mais externa do cinturão teria se originado como um subproduto do processo de formação do núcleo sólido dos planetas gigantes gasosos, Júpiter e Saturno”, explica Izidoro. “Já a mais interna teria surgido a partir de resíduos dos embriões planetários que deram origem aos planetas terrestres, Mercúrio, Vênus, Terra e Marte.” De acordo com essa hipótese, aglomerações de matéria que não entraram na composição tanto dos planetas gasosos como dos terrestres, especialmente de Júpiter e de Marte, teriam sido expelidos para essa área então vazia do nascente Sistema Solar devido a interações gravitacionais e a ação da força de arrasto do gás presente no espaço. Assim teria surgido o cinturão, “um campo de refugiados cósmicos”, metáfora usada por Raymond para descrever esse recanto de pedras de variados tamanhos.


O novo modelo também fornece uma explicação para a disposição dos dois principais tipos de asteroides do cinturão. Na parte mais externa em relação ao Sol, concentram-se os asteroides do tipo C, escuros e ricos em carbono, que representam 75% dos objetos do cinturão. No trecho mais interior, a maior parte dos objetos são asteroides do tipo S, mais brilhantes e com alta concentração de sílica, que respondem por 17% dos corpos do cinturão. Segundo o modelo proposto por Izidoro e Raymond, os asteroides do tipo C, também denominados molhados, teriam se originado de sobras da matéria do processo formativo dos planetas gigantes gasosos. “A água da Terra pode ter vindo também desses asteroides que eventualmente colidiam com nosso planeta ainda em fase de formação”, comenta o astrônomo brasileiro, que, ao lado do colega de Bordeaux, tratou desse tema em outro artigo recente, de 30 de junho, na revista científica Icarus. Os asteroides do tipo S, considerados secos, seriam a sobra da matéria não utilizada na formação de Marte e dos outros mundos terrestres.

Durante meses, Izidoro e Raymond rodaram mais de 200 simulações em computadores de como poderia ter sido o processo de formação dos planetas do Sistema Solar e do surgimento do cinturão de asteroides. Nas simulações, eles partiram da premissa de que entre Marte e Júpiter não havia matéria primordial e conseguiram reproduzir virtualmente a constituição atual do cinturão. “Nosso próximo passo é testar cada um dos modelos que existem, o nosso e os outros, para explicar o cinturão de asteroides e ver o que podemos aprender sobre a formação do Sistema Solar”, destaca Raymond.

Baixa densidade
Para o astrofísico Jorge Meléndez, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), as simulações feitas pela dupla são muito interessantes e trazem uma nova visão sobre o Sistema Solar. “O estudo mostra que, no início do sistema, não é necessário ter havido um cinturão de asteroides muito mais massivo”, comenta Meléndez. “Um dos problemas do modelo atual é explicar como esse cinturão [supostamente massivo em seus primórdios] teria perdido tanta massa.” Atualmente, a massa do cinturão não passa de 4% da Lua e é mais de mil vezes menor do que a da Terra. Apesar de seus asteroides girarem em torno de uma enorme faixa do sistema, o cinturão apresenta uma baixa densidade de objetos em relação à sua área. Apenas um corpo celeste, o planeta anão Ceres, responde por um terço da massa do cinturão.

Projeto
Formação e dinâmica planetária: Do Sistema Solar a exoplanetas (nº 16/12686-2); Modalidade Jovem Pesquisador; Pesquisador responsável André Izidoro (Unesp); Investimento R$ 178.755,00.

Artigos científicos
RAYMOND, S. N. e IZIDORO, A. The empty primordial asteroid belt. Science Advances. v. 3, n. 9, e1701138. 13 set. 2017.
RAYMOND, S. N. e IZIDORO, A. Origin of water in the inner Solar System: Planetesimals scattered inward during Jupiter and Saturn’s rapid gas accretion. Icarus. v. 297, p. 134-48. 15 nov. 2017.




Autor: MARCOS PIVETTA | ED. 260 |
Fonte: fapesp
Sítio Online da Publicação: fapesp
Data de Publicação: OUTUBRO 2017
Publicação Original: http://revistapesquisa.fapesp.br/2017/10/25/as-pedras-que-ficaram/?cat=ciencia

Nenhum comentário:

Postar um comentário