Os apreciadores do chocolate sabem muito bem como é grande a satisfação de entrar em uma loja de chocolates, sentir aquele aroma no ar, observar a variedade, antecipar o sabor do chocolate derretendo na boca… Um prazer que pode se tornar ainda maior se esse consumidor souber que, ao adquirir chocolates, ele pode ajudar na produção de água e na preservação das nascentes. Parece estranho? Pode parecer, mas na verdade faz muito sentido.
O fato é que não é qualquer chocolate que tem esse maravilhoso poder de garantir a produção de água. Para que isso ocorra, é necessário que as amêndoas de cacau sejam oriundas de um Sistema de Produção denominado “Cabruca” ou dos chamados ‘Sistemas Agroflorestais com Cacau’ (SAF Cacau). Em sintonia com o enfoque agroecológico, esses sistemas favorecem a produção de amêndoas de cacau de qualidade e ao mesmo tempo preservam os mananciais, favorecendo o aumento da produção de água.
Segundo a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), o cacau-Cabruca é um sistema ecológico de cultivo agroflorestal. Baseia-se na substituição de estratos florestais por uma cultura de interesse econômico, implantada no sub-bosque de forma descontínua e circundada por vegetação natural, não prejudicando as relações ecológicas com os sistemas de florestas remanescentes. Ou seja, é um sistema agrossilvicultural sustentável, que tem garantido a conservação de remanescentes florestais da Mata Atlântica, permitindo a sobrevivência de indivíduos arbóreos de elevada significância econômica, social e ecológica na Região Sul da Bahia. Esse sistema conserva, como nenhum outro cultivo agrícola, a qualidade dos solos em padrões próximos ao de uma floresta natural, assim como nascentes e pequenos cursos de água.
Já o SAF Cacau inclui formas de uso e de manejo dos recursos naturais nas quais espécies lenhosas, tais como árvores, arbustos e palmeiras, são utilizadas em associação deliberada com cultivos agrícolas em um mesmo terreno, de maneira simultânea ou numa sequência temporal (Montagnini et al., 1992). É considerado como alternativa apropriada para os trópicos úmidos por apresentarem estrutura que se assemelha à floresta primária, aliada à presença de grande biodiversidade (Smith et al., 1996).
No caso do Sudeste da Bahia, a instalação da cacauicultura contribuiu para a fragmentação do contínuo florestal. A característica de permitir a permanência de populações arbóreas no sombreamento do cacau e de fragmentos florestais inseridos na área de produção é uma característica ímpar e benéfica. Quando se compara áreas de Cabruca com outros modelos agrícolas, é possível perceber as qualidades conservacionistas. Essas qualidades ressaltam e tornam perceptíveis benefícios, como a capacidade de manter o solo rico em matéria orgânica, o baixo escorrimento superficial de água e, por conseguinte, o pouco arraste superficial de solo, com consequências positivas na manutenção da qualidade da água do sistema, bem como, na diversidade biológica. (LOBÃO, 2007).
Outro trabalho que corrobora a ação de produção de água vem de Alves (2009), mostrando que após cinco anos de implantação de um SAF multiestrato ocorreu a primeira produção de cacau e 17 nascentes voltaram a verter água. O plantio na área foi bastante adensado, com introdução de mudas de espécies nativas e espécies comerciais, principalmente o cacau.
Portanto, o consumidor consciente de chocolate pode ter um novo papel na cadeia de consumo. Deve estar atento à origem do produto, verificar sua rastreabilidade, informar-se sobre as condições de produção.
Afinal, acrescentar ao prazer de comer chocolate o benefício à natureza por meio da produção de água é tornar ainda melhor o que já é muito bom. Assim, coma chocolate também pensando na água!
Referências Bibliográficas
ALVES, L. M.: Sistemas Agroflorestais (SAF’s) na restauração de ambientes degradados – Programa de Pós-graduação em Ecologia Aplicada ao Manejo e Conservação de Recursos Naturais, Universidade Federal de Juiz de Fora –UFJF, 2009
LOBÃO, D. É. V. P.: Agroecossistema cacaueiro da Bahia: cacau-cabruca e fragmentos florestais na conservação de espécies arbóreas. 2007. 108f. Tese (Doutorado em Agronomia). Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho/UNESP, Jaboticabal, 2007).
MONTAGNINI, F. et al. 1992. Sistemas agroforestales: principios y aplicaciones en los trópicos. 2ª. ed. rev. y aum. – San José, C. R.: Organización para Estudio Tropicales. 622p.
SMITH, N.J.H.; FALESI, I.C.; ALVIM, P. de T. e SERRÃO, E.A.S. 1996. Agroforestry trajectories among smallholders in the Brazilian Amazon: innovation and resiliency in pioneer and older settled areas. Ecological Economics 18: 15-27.
João Mangabeira
Pesquisador da Embrapa Territorial
Doutor em Economia Ecológica
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 02/05/2018
Autor: João Mangabeira
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data de Publicação: 02/05/2018
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2018/05/02/sistemas-agroflorestais-com-cacau-saf-cacau-coma-chocolate-para-agua-artigo-de-joao-mangabeira/
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