sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Declaração de apoio dos cientistas ao movimento ‘Rebelião ou Extinção’, por José Eustáquio Diniz Alves

“Estamos em um carro gigante, acelerando na direção de uma parede de tijolos
e todo mundo fica discutindo sobre onde cada um vai sentar”
(David Suzuki)
Extinction Rebellion


O mundo vive uma emergência climática e ecológica. Nunca, no Holoceno (últimos 12 mil anos), a humanidade enfrentou uma ameaça global tão significativa. E o pior é que a ameaça existencial atual é provoca pelo estilo de vida e as formas de produção e consumo predominantes na sociedade. A humanidade está na iminência de se tornar o agente de um novo evento ambiental cataclísmico, sendo desta vez, simultaneamente, o asteroide e os dinossauros.

A vida selvagem (não humana) está em perigo diante do crescimento das atividades antrópicas e o aquecimento global e a 6ª extinção em massa das espécies coloca em perigo a civilização e suas conquistas. Existe uma urgência para se adotar ações imediatas para evitar o colapso ecológico e civilizacional.

Diante da dimensão das duas grandes ameaças vitais (Alves, 2019), todos os problemas particulares e específicos serão subsumidos pela emergência climática e ambiental. Desta forma, a contradição central do século XXI será, cada vez mais, a oposição entre “capital antrópico” e o “capital natural” (Alves, 2015).

O marxismo foi construído sobre o pilar da contradição “capital versus trabalho”. Por conta disto, Rosa Luxemburgo lançou a palavra de ordem “Socialismo ou Barbárie”. Acontece que o capitalismo e as forças do progresso civilizacional foram capazes de ampliar o bem-estar da população mundial (aumento e diversificação da cesta de consumo, avanço da educação, redução da mortalidade infantil, aumento da esperança de vida, etc.), evitando a barbárie, enquanto “selvageria social”. O próprio “socialismo de mercado” da China e do Vietnã segue a mesma linha de aumento das forças produtivas às custas do empobrecimento do meio ambiente.

Assim, existe um paralelo entre os lemas: “Socialismo ou Barbárie” e “Rebelião ou Extinção”. A diferença é que o contraponto antropológico e social entre barbárie e civilização – inspirada na obra de Lewis Morgan e propagada por Friedrich Engels – ficou superada pela contradição entre civilização (capitalismo ou socialismo real) e extinção da vida na Terra. Portanto, o movimento “Rebelião ou Extinção” foca na emergência climática e ambiental e mostra que precisamos adotar novos estilos de vida que sejam compatíveis com o equilíbrio homeostático do Planeta.

A primeira tarefa é a rebelião contra o imperativo do crescimento econômico sustentado e infinito em um Planeta finito e contra o estilo de vida que degrada a saúde dos ecossistemas e provoca a 6ª extinção em massa das espécies. A rebelião vai além e engloba as questões das lutas de classes, das lutas identitárias e da oposição entre mercado e Estado. Trata-se de um movimento global para resistir contra uma ameaça existencial que é cada vez mais iminente. Rebelar a favor da vida (humana e não humana) e contra a extinção, conjugando direitos humanos, direitos dos animais e direitos da natureza.

O movimento “Rebelião ou Extinção”, inspirado nas ideias de Henry Thoreau (1817-1862), utiliza a resistência pacífica (não-violenta) e a desobediência civil para engajar as pessoas na luta contra o colapso climático e ambiental, evitando o holocausto ecológico e o risco de extinção da raça humana e demais espécies. O objetivo do movimento “Rebelião ou Extinção” é exercer pressão sobre os governantes e fortalecer a sociedade civil no sentido de enfrentar a maior crise ambiental do Holoceno. A “Rebelião ou Extinção” se baseia no fato, cientificamente estabelecido, de que a humanidade não está apenas destruindo o ambiente natural, mas também, na trajetória atual, caminhando para a extinção em um futuro não muito distante. Assim, urge conscientizar as autoridades a tomar ações drásticas e mudar de rumo do desenvolvimento enquanto ainda seja possível.

O grupo Rebelião ou Extinção tem três demandas centrais: 1) que o governo “conte a verdade à população declarando uma emergência climática e ecológica”; 2) que o governo “zere as emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2025”; 3) que o governo “crie uma assembleia popular, formada por cidadãos comuns e escolhidos aleatoriamente, e siga suas decisões sobre o meio ambiente”.

Abaixo segue a “Declaração de apoio dos cientistas à ação direta não violenta contra a inação dos governos diante das mudanças climáticas e da emergência ecológica”:




“ESTA DECLARAÇÃO EXPÕE O CONSENSO CIENTÍFICO ATUAL RELATIVO À EMERGÊNCIA CLIMÁTICA E ECOLÓGICA E DESTACA A NECESSIDADE DE AÇÃO URGENTE PARA EVITAR DANOS ADICIONAIS E IRREVERSÍVEIS À HABITABILIDADE DO NOSSO PLANETA.

Como cientistas, dedicamos nossas vidas ao estudo e compreensão do mundo e nosso lugar nele. Declaramos que as evidências científicas mostram, além de qualquer dúvida razoável, que as mudanças causadas por humanos nos solos, no mar e no ar da Terra estão ameaçando severamente a habitabilidade do nosso planeta. Declaramos ainda que evidências esmagadoras mostram que, se as emissões globais de gases de efeito estufa não forem reduzidas rapidamente para zero líquido e a perda de biodiversidade não for interrompida, corremos o risco de danos catastróficos e irreversíveis aos nossos sistemas planetários de suporte à vida, causando sofrimento humano incalculável e muitas mortes.

Observamos que, apesar de a comunidade científica ter soado o alarme do aquecimento global causado pelo ser humano há mais de quatro décadas, nenhuma ação dos governos até o momento foi suficiente para deter o aumento acentuado das emissões de gases de efeito estufa, nem abordar a perda cada vez maior da biodiversidade. Portanto, pedimos uma ação imediata e decisiva dos governos em todo o mundo para reduzir rapidamente as emissões globais de gases de efeito estufa para zero líquido, evitar mais perdas de biodiversidade e reparar, na máxima extensão possível, os danos que já foram causados. Apelamos ainda aos governos para que prestem apoio particular àqueles que serão mais afetados pelas mudanças climáticas e pela transição necessária para uma economia sustentável.

Como cientistas, temos uma obrigação que se estende além da simples descrição e compreensão do mundo natural, para participar ativamente da proteção. Observamos que a comunidade científica já tentou todos os métodos convencionais para chamar a atenção para a crise. Acreditamos que a contínua inação governamental sobre a crise climática e ecológica justifica agora protestos pacíficos e não-violentos e ação direta, mesmo que isso vá além dos limites da lei atual.

Portanto, apoiamos aqueles que se levantam pacificamente contra governos de todo o mundo que não conseguem agir, proporcionalmente, à escala da crise.

Acreditamos que é nosso dever moral agir agora e instamos outros cientistas a se juntarem a nós para ajudar a proteger o único lar da humanidade”.

Nota sobre o símbolo da “Extinction Rebellion”: O círculo significa o planeta, enquanto a ampulheta dentro serve como um aviso de que o tempo está se esgotando rapidamente para muitas espécies. Atualmente, o mundo está passando por um evento de extinção em massa e esse símbolo visa ajudar a aumentar a conscientização sobre a necessidade urgente de mudança, a fim de enfrentar esta crise. Estima-se que entre 30.000 e 140.000 espécies sejam extintas a cada ano no que os cientistas denominaram Holoceno, ou Sexta Extinção em Massa. Esse processo contínuo de destruição está sendo causado pelo impacto da atividade humana. É provável que uma perda catastrófica de biodiversidade cause um colapso generalizado do ecossistema e, consequentemente, torne o planeta inabitável para os seres humanos.

José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. A crise do capital no século XXI: choque ambiental e choque marxista. Salvador, Revista Dialética Edição 7, vol 6, ano 5, junho de 2015 http://revistadialetica.com.br/wp-content/uploads/2016/04/005-a-crise-do-capital-no-seculo-xxi.pdf

ALVES, JED. A vida na Terra tem duas ameaças vitais: mudanças climáticas e ecocídio, Ecodebate, 19/06/2019

https://www.ecodebate.com.br/2019/06/19/a-vida-na-terra-tem-duas-ameacas-vitais-mudancas-climaticas-e-ecocidio-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

Alice O’Keeffe. This Is Not a Drill review – an Extinction Rebellion handbook, The Guardian, 07/08/2019 https://www.theguardian.com/books/2019/aug/07/this-is-not-a-drill-extinction-rebellion-review

Declaração de apoio dos cientistas à ação direta não violenta contra a inação do governo diante das mudanças climáticas e a emergência ecológica, 2019

https://docs.google.com/document/d/1FuZYG-gT5EPTLDyvgNnlYIS5dAy43TM1MnvOls48qIc/edit

Extinction Rebellion (XR): https://rebellion.earth/

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 01/11/2019




Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 01/11/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/11/01/declaracao-de-apoio-dos-cientistas-ao-movimento-rebeliao-ou-extincao-por-jose-eustaquio-diniz-alves/

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