quarta-feira, 6 de novembro de 2019

A Terra teria déficit ambiental global mesmo sem os ricos, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

A economia é um subsistema da ecologia. Desta forma, a Pegada Ecológica gerada pela economia não pode ser maior do que a biocapacidade fornecida pela ecologia. Para manter a sustentabilidade e garantir o adequado padrão de vida da humanidade, sem degradar as condições ambientais, a Pegada Ecológica, no longo prazo, não pode ser maior do que a Biocapacidade do Planeta. Assim, é insustentável manter o crescimento da produção e consumo de bens e serviços acima da capacidade de carga do meio ambiente.

A Terra é um Planeta finito. Isto significa que os seres vivos possuem um espaço comum e delimitado para a sobrevivência conjunta. O crescimento exponencial de uma espécie provoca a redução do espaço para a vida de outras espécies, diminuindo a disponibilidade de solos e água potável.

Segundo a Global Footprint Network, a população mundial em 2016 era de 7,5 bilhões de habitantes, com uma pegada ecológica total de 20,6 bilhões de hectares globais (gha) e uma biocapacidade total de 12,2 bilhões de gha. A pegada ecológica per capita estava em 2,75 gha e uma biocapacidade per capita de 1,63 gha. Assim, a Terra tinha um déficit per capita de 1,12 gha (ou um déficit total de 8,2 bilhões de gha). Ou seja, para manter o consumo humano de 2016 seria necessário 1,69 planeta. Portanto, o nível das atividades antrópicas é insustentável em termos ecológicos. O Dia da Sobrecarga ocorreu em 5 de agosto em 2016 e no dia 29 de julho em 2019.

Mas a economia internacional é marcada por grandes desigualdades e, evidentemente, as pessoas mais ricas consomem mais e degradam mais o meio ambiente, ocorrendo o contrário com as pessoas mais pobres. A tabela abaixo mostra que a população mundial de baixa renda, em 2016, era de 927 milhões de pessoas e tinha uma pegada ecológica e uma biocapacidade per capita de 1,04 gha. Portanto, havia equilíbrio entre os dois indicadores e não havia nem déficit nem superávit ambiental. Neste nível de consumo, a pegada total (se todos os habitantes do globo consumissem neste nível) seria de apenas 0,64 planeta e haveria sustentabilidade ambiental.







Já a população de renda média-baixa, constituída de 2,8 bilhões de pessoas em 2016, tinha uma pegada ecológica per capita de 1,36 gha e uma biocapacidade per capita de 0,84 gha. Portanto, havia um déficit de 0,52 gha per capita ou um déficit de 1,5 bilhão de gha. Porém, o nível de consumo desta camada da população é baixo e se toda a população tivesse o mesmo nível da pegada ecológica per capita (1,36 gha) a pegada total seria de 10,1 bilhões de gha, o que daria somente 0,83 planeta e haveria sustentabilidade ambiental. Ou seja, um nível de consumo que representasse uma pegada ecológica per capita de até 1,63 gha seria compatível com a biocapacidade de 1,63 gha de 7,5 bilhões de habitantes.

As populações de baixa renda e de renda média-baixa, num total de 3,7 bilhões de habitantes, com pegada ecológica per capita abaixo da biocapacidade global per capita (1,63 gha) vivem dentro da sustentabilidade ambiental. Mas são pessoas que possuem muitas carências materiais e não possuem vidas sustentáveis em termos sociais.

Já as pessoas de renda média-alta e renda alta possuem melhor sustentabilidade social, mas não ambiental. A população de renda média-alta, constituída de 3,4 bilhões de pessoas em 2016, tinha uma pegada ecológica per capita de 3,41 gha e uma biocapacidade per capita de 2,26 gha.

Portanto, havia um déficit de 1,15 gha per capita ou um déficit de 3,1 bilhões de gha. Se toda a população tivesse o mesmo nível da pegada ecológica per capita (3,41 gha) a pegada total seria de 25,5 bilhões de gha, o que daria 2,09 planetas e não haveria sustentabilidade ambiental. Com uma pegada ecológica de 3,41 gha só haveria sustentabilidade na Terra se a população global fosse de 3,57 bilhões de habitantes em 2016. Isto é, para haver sustentabilidade em um quadro de consumo per capita mais alto seria preciso haver um volume populacional menor.

Entre a população de alta renda, constituída de 1,13 bilhão de habitantes em 2016, a pegada ecológica per capita era de 5,97 gha e a biocapacidade per capita era de 2,26 gha. Portanto, havia um déficit de 3,12 gha per capita ou um déficit de 3,6 bilhões de gha. Se toda a população tivesse o mesmo nível da pegada ecológica per capita (3,41 gha) a pegada total seria de 44,6 bilhões de gha, o que daria 3,7 planetas e não haveria o mínimo de sustentabilidade ambiental. Com uma pegada ecológica de 5,97 gha só haveria sustentabilidade na Terra se a população global fosse de 2 bilhões de habitantes em 2016.

Sem dúvida os ricos consumem muito e possuem alto impacto ambiental. Porém, mesmo se eliminássemos o 1,13 bilhão de habitantes de alta renda – com uma pegada ecológica total de 6,7 bilhões de gha em 2016 – o mundo continuaria com déficit ambiental, pois o restante dos 6,4 bilhões de habitantes teriam uma pegada ecológica total de 13,9 bilhões de gha, superior aos 12,2 bilhões de gha da Biocapacidade total do Planeta.

Desta forma, o quadro ambiental do mundo é mais grave do que simplesmente zerar o consumo dos ricos. Os cerca de 6 bilhões de habitantes de renda baixa e renda média já são suficientes para colocar a Terra no caminho do colapso ecológico. Os cálculos anteriores não tiram as responsabilidades dos países desenvolvidos como os maiores poluidores per capitas do Planeta. Apenas mostram a real dimensão dos problemas causados pela interação entre consumo e população.

É compreensível que as populações dos países pobres aspirem níveis mais elevados de desenvolvimento e consumo. Todavia, reproduzir o modelo dos países ricos e poluidores seria um desastre total para o meio ambiente. A luta por mais renda, educação, saúde, moradia, transporte, acesso à informação, lazer, etc., é justa. Porém, o aumento da pegada ecológica per capita só é viável com a diminuição do volume da população.

Hoje em dia, simplesmente distribuir a riqueza e o consumo humano não resolve os problemas ambientais globais. O consumo médio da população mundial já ultrapassou os níveis de sustentabilidade ambiental. Se a pegada ecológica de 2,75 gha de 2016 for completamente bem distribuída e todos os habitantes da Terra conseguirem um padrão médio e decente de consumo, mesmo assim haveria déficit ambiental com o atual número de habitantes. Para uma pegada ecológica per capita de 2,75 gha só haveria sustentabilidade ambiental com 4,4 bilhões de pessoas. Se a população for de 7,5 bilhões de habitantes então a pegada ecológica per capita tem que cair para 1,6 gha. Uma alternativa é ter uma população de 6 bilhões com pegada ecológica per capita de 2 gha.

Ou seja, no momento atual em que a humanidade já ultrapassou os limites da resiliência do Planeta há três alternativas: 1) diminuir muito o consumo; 2) diminuir muito a população; ou 3) diminuir um pouco o consumo e um pouco a população. O fato é que o decrescimento demoeconômico é o único caminho viável para se chegar à sustentabilidade ambiental.

Planejar o decrescimento para a sustentabilidade é a tarefa mais urgente para mitigar a crise climática e ambiental e para promover a regeneração dos ecossistemas. O que não dá é para manter o rumo atual de degradação ecológica e de emissão de gases de efeito estufa que provocam a aceleração do aquecimento global.

Seguir no modelo atual é promover um ecocídio e também um suicídio, pois sem ecologia não há maneira de manter a vida na Terra.


José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382



in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 05/11/2019




Autor: José Eustáquio Diniz Alves
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 05/11/2019
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2019/11/06/a-terra-teria-deficit-ambiental-global-mesmo-sem-os-ricos-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

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