No Brasil, a Lei Maria da Penha, que entrou em vigor em 2006 para tentar combater a violência contra a mulher, não teve o impacto esperado, segundo o estudo “Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil”, divulgado em 2013, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Dados do Instituto Patrícia Galvão (criado em homenagem a poeta, escritora, jornalista e diretora de Teatro Pagu, primeira mulher presa política no Brasil – 1910-1962) indicam que o feminicídio correspondeu a 29,6% dos homicídios dolosos de mulheres em 2018; desse total, 65,6% estavam em suas residências e em 88,8% dos casos o agressor foi o próprio companheiro ou o ex-companheiro. Os números também comprovam a relação das mortes com o racismo, já que 61% dos óbitos foram de mulheres negras. As estatísticas do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que, em 2018, a cada dois minutos uma mulher recorre à Lei Maria da Penha por agressão; a cada nove minutos uma mulher é vítima de estupro e a cada dia três mulheres são vítimas de feminicídio.
Aos 30 anos, a pesquisadora Caroline, inconformada com os altos índices de violência contra a mulher, decidiu que precisava fazer algo para mudar a situação. Formada em Engenharia de Produção pela Universidade Federal Fluminense (UFF), ela conta que sempre foi muito questionadora e inconformada com a violência contra as mulheres, tendo exemplos entre pessoas da família e amigas. Outra característica da engenheira é seu lado empreendedor, que passou a se desenvolver mais depois de uma passagem por uma empresa de tecnologia. “Sempre pensei em soluções para mudar a vida das pessoas a partir do empreendedorismo social”, alega. Durante a graduação na UFF, ela criou um grupo de Extensão – o “Integrando Alegria”, trabalho realizado junto a crianças.
Nas rodas de conversa, voluntárias dão ideias de outras ações que promovam o empoderamento feminino. (Fotos: Women Angels)
Moradora de Volta Redonda, a engenheira foi contemplada para a segunda fase do edital Startup Rio 2020: Apoio à Difusão de Ambiente de Inovação em Tecnologia Digital no Estado do Rio de Janeiro – parceria da FAPERJ com a Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti) –, que desde o programa passou a incluir projetos da Região Serrana e Região Sul Fluminense. Seu projeto - um aplicativo para auxiliar mulheres em situação de violência - possui um botão de pânico, que, quando ativado, envia um SMS com a mensagem “fulana está solicitando sua ajuda” para duas “angels”, que podem ser amigas ou pessoas da família, mostrando a localização da mulher em perigo. “Escolhemos o SMS porque para a mensagem ser enviada não depende do acesso à Internet. E o pedido de socorro vai para duas angels para garantir que pelo menos uma delas receba”, explica Caroline.
Sua ideia inicial era a criação de um aplicativo que reunisse mulheres interessadas em saírem juntas. Isso porque durante a fase de pesquisa, num universo de 110 mulheres de 18 a 35 anos, 85% disseram que tinham medo de sair sozinhas à noite. E quando a pergunta foi “qual a estratégia adotada para driblar a insegurança”, simplesmente a maioria disse que deixava de sair. Outras evitavam alguns lugares e algumas buscavam sentar ao lado de outras mulheres (em ônibus, por exemplo). Ela lembra, com pesar, que durante os cinco minutos de apresentação do seu “pitch” no Startup Rio, 45 mulheres estavam sendo vítimas de violência, segundo as estatísticas. Foi nessa primeira fase do programa que ela identificou que as entrevistadas sentiam falta de um “mecanismo de segurança”. Daí surgiu a ideia da startup Women Angels.
Novidades já estão sendo agregadas ao projeto, que, para Caroline, é uma rede de voluntárias que dispõem de seu tempo para colaborar e tentar reduzir a violência contra mulheres. Ela está negociando com a prefeitura de Volta Redonda para que esse pedido de ajuda, além de ser encaminhado para as duas angels, chegue também ao Centro Integrado de Segurança Pública do município. Como Volta Redonda mantém a Patrulha Maria da Penha, que faz rondas diárias nas residências de mulheres que estão com medidas protetivas ativas, a intenção é que o pedido de socorro chegue também às viaturas da patrulha. Além disso, Caroline pretende integrar a essa rede de apoio o Centro Integrado de Atendimento à Mulher (Ciam).
Caroline, Carlos Alexandre e Amanda são sócios na startup que pretende ampliar a discussão sobre a violência contra a mulher
Diante da constatação de que 80% das mulheres agredidas em casa não denunciam seus agressores nem saem do lar por causa da falta de independência financeira, o projeto também criará o Angels Capacita. De início, serão 12 diferentes cursos para ensinar culinária, costura, artesanato, entre outros, para que essas mulheres vulneráveis possam ter uma alternativa de renda. Em março, está programada a oficina de bombons e ovos de Páscoa, para aumentar a renda das mulheres em abril. Caroline lembra que como uma das primeiras ações dos agressores é confiscar o celular da vítima, uma designer do grupo está desenvolvendo um acessório feminino (um pingente, por exemplo, que pode ser agregado a um cordão, aro de anel, broche etc.) com o botão de socorro, o que daria mais segurança às usuárias.
Durante o evento de lançamento do app, no domingo, além de ajudarem as mulheres a baixarem o aplicativo, Caroline e sua equipe, composta por seu marido Carlos Alexandre, responsável pelo desenvolvimento do aplicativo, e a sócia, Amanda Novaes, contarão com a presença das 15 mulheres que foram capacitadas na primeira oficina de bolos do Angels Capacita, voltada para mulheres em vulnerabilidade financeira e mulheres que já sofreram ou estão vulneráveis a alguma violência. Ali, elas poderão expor e vender seus produtos.
Caroline explica que a participação de seu marido no projeto agrega o olhar masculino, auxiliando as voluntárias do projeto a não terem uma fala violenta contra os homens, “o que seria um tipo de agressão também”, explica. “Creio que o nosso projeto é apenas uma ferramenta para iniciar a discussão deste assunto tão grave e urgente, cujo debate deve ser ampliado. É um passo importante para o nosso crescimento como mulher e para ampliarmos as discussões sobre a causa dessa cultura tão machista que, apesar das conquistas femininas, parece ter retrocedido no tempo por meio da agressão”, pondera a CEO da Women Angels.
Autor: Paula Guatimosim
Fonte: FAPERJ
Sítio Online da Publicação: FAPERJ
Data: 10/03/2020
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=3935.2.6
Nenhum comentário:
Postar um comentário