quarta-feira, 25 de março de 2020

O crescimento da pandemia de coronavírus e a redução da poluição ambiental, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Só tenho para oferecer sangue, suor e lágrimas”
Winston Churchill (às vésperas da entrada na segunda guerra mundial)

A epidemia de coronavírus assustou a China nos meses de janeiro e início de fevereiro de 2020 e provocou a paralisação das atividades econômicas do gigante asiático. O resto do mundo olhou com curiosidade e certa angústia, mas não imaginou a possibilidade de um surto global. O índice Dow Jones da Bolsa de Nova Iorque que iniciou o ano pouco acima de 28 mil pontos se manteve acima de 29 mil pontos até o dia 21 de fevereiro, refletindo uma tranquilidade do mercado financeiro americano e global diante do que acontecia no leste asiático.

Mas tudo começou a mudar rapidamente na última semana de fevereiro, quando o mundo percebeu que havia algo de novo e assustador no ar. O índice Dow Jones caiu para cerca de 19 mil pontos no dia 20 de março de 2020, um crash de estonteantes 35%. Trilhões de dólares desapareceram da economia internacional em menos de um mês. A Organização Mundial de Saúde (OMS) demorou a dizer que se tratava de uma pandemia e assumiu a gravidade da situação no dia 11 de março de 2020.

No dia 29 de fevereiro, a Covid-19 já estava presente em cerca de 80 países, atingindo 86,6 mil pessoas e provocando 2,98 mil mortes globalmente. Mas 92,2% dos casos e 96,4% dos óbitos estavam na China. A tabela abaixo mostra os 8 países com maior número de casos, mais a situação do Brasil e o total mundial. Nota-se que em 29 de fevereiro, a Coreia do Sul estava em segundo lugar em número de pessoas infectadas (3.150 casos), a Itália em terceiro lugar (1.128 casos) e o Irã em quarto lugar (593 casos). Alemanha, Espanha, Estados Unidos e França tinham 100 casos ou menos e o Brasil somente 2 casos. Os 8 países concentravam 98,1% dos casos e 99,5% das mortes. Retirando a China, os outros 7 países tinham 6% dos casos e somente 3,1% dos óbitos.



Mas o quadro mudou completamente ao longo do mês de março. O crescimento dos casos na China foi muito pequeno, passando para 81,1 mil casos, com um crescimento de apenas 0,1% ao dia, entre 29/02 e 22/03. O número de mortes na China passou para 3,3 mil, com um crescimento diário de 0,6% ao dia, no mesmo período. Portanto, a China que tinha 92,1% dos casos da doença e 96,4% das mortes em 29/02, diminuiu para 24,2% e 22,3% do total, respectivamente, em 22/03/2020. A taxa de letalidade (número de mortes em relação ao número de casos) na China foi de 4% no dia 22 de março.

Ao contrário, os outros 7 países com maior número de casos e de mortes, depois da China, aumentaram sua participação relativa. Eles passaram de 6% para 57,1% dos casos e 3,1% para 69,8% das mortes durante os primeiros 22 dias de março. A Itália, o segundo país com maior impacto do surto, passou de 1,1 mil casos para 59,1 mil casos (um aumento exponencial de 19,7% ao dia) e 29 mortes para 5,5 mil mortes (um aumento exponencial de 26,9% ao dia), entre 29/02 e 22/03. A taxa de letalidade, em 22/03, foi de 9,3 mortes para cada caso confirmado, a maior entre todos os países.

Os Estados Unidos, que tinham somente 68 casos no final de fevereiro, assumiram o terceiro lugar no ranking mundial, com 32,4 mil casos em 22/03, um crescimento de impressionantes 32,3% ao dia. O número de mortes também foi significativo, passando de 1 morte para 414 mortes no período, um crescimento de 31,5% ao dia e uma taxa de letalidade de 1,3 mortes para cada caso confirmado.

Alemanha (com a menor taxa de letalidade), Espanha, e França possuem evolução aproximadamente semelhante do número de casos, mas a Espanha apresentou muito mais mortes e uma taxa de letalidade de 6,1. Já o Irã que ocupava o terceiro lugar no ranking global até semana passada, caiu para o 6º lugar e depois da Itália é o país com maior taxa de letalidade, isto é, 7,8 óbitos para cada caso registrado. Já a Coreia do Sul é um caso de sucesso pois caiu do segundo lugar no ranking para o oitavo lugar e o crescimento dos casos em março foi de “apenas” 4,8% ao dia e a taxa de letalidade de somente 1,2 óbitos para cada caso.

No mundo, o número de casos passou de 86,6 mil em 29/02 para 335,2 mil até o final da tarde do dia 22/03/2020, um crescimento de 6,3% ao dia. E o número de mortes passou de 2.977 para 14,6 mil óbitos no mesmo período, com crescimento de 7,5% ao dia e uma taxa de letalidade de 4,4 mortes para cada caso confirmado.

O Brasil apresenta uma tendência de aumento preocupante do surto de coronavírus, pois havia apenas dois casos confirmados no final de fevereiro e passou para 1.546 casos em 22/03, um aumento de 35,3% ao dia – o maior crescimento entre os 8 países apresentados na tabela. Mesmo com a quarentena do fim de semana (21 e 22 de março) o número de casos quase que dobrou em relação à sexta-feira. O número de mortes era zero no final de fevereiro, apresentou o primeiro caso no dia 17 de março e atingiu 25 casos em 22/03. Considerando o período de 17/03 a 22/03 a variação diária no número de óbitos foi de 90%. Portanto, a taxa de letalidade brasileira que está em 1,6, deve subir muito nos próximos dias.

O restante do mês de março vai ser um período de subida da curva exponencial, pois a pandemia já está se espalhando em cerca de 200 países e territórios. O impacto na saúde pública vai ser enorme, assim como o impacto econômico vai ser terrível. A situação é parecida com aquela às vésperas da entrada na segunda guerra mundial, quando Winston Churchill disse: “Só tenho para oferecer sangue, suor e lágrimas”.

Mas enquanto a pandemia de Covid-19 joga a economia para baixo, ao mesmo tempo, joga a saúde do meio ambiente para cima. A pandemia de coronavírus veio revelar uma verdade que algumas pessoas insistiam em negar que é um impacto do crescimento econômico sobre a degradação ambiental. Na China, a epidemia de coronavírus diminuiu a produção industrial, provocou feriados prolongados e a introdução de restrições de viagens, que resultam em menores emissões de CO2. Houve uma redução geral da queima de combustíveis fósseis e o preço do barril do petróleo (WTI a menos de US$ 20) caiu para o patamar do final do século passado. As emissões da China diminuíram em um quarto ou 100 milhões de toneladas, refletindo nas imagens abaixo captadas pela Nasa.



Assim, a piora dos indicadores econômicos tem sido acompanhada por um melhora nos indicadores ambientais. Em todos os lugares, quer seja a limpeza das águas dos canais de Veneza ou a redução da poluição do ar nas grandes cidades da Ásia, a natureza agradece a trégua e a quarentena humana. A NOAA da Nasa já indica que o ritmo de crescimento da concentração de CO2 na atmosfera desacelerou. Globalmente, a Covid-19 está provocando a redução das atividades antrópicas – fechando fábricas, paralisando os transportes, cortando significativamente o número de voos, etc. – resultando em uma recessão econômica que deve produzir uma diminuição nas emissões de carbono em 580 milhões de toneladas de carbono em 2020, como mostra o gráfico abaixo.



Como afirmei em entrevista ao Correio da Cidadania (21/03/2020), a crise é tão grave que pode repetir “na pior das hipóteses, uma depressão econômica do nível da crise de 1929 e um número de mortes do nível do que ocorreu na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O certo é que os infortúnios serão severos e prolongados e os cenários podem ser bastante catastróficos. O desarranjo econômico, social e psicológico poderá ser maior do que os efeitos diretos da Covid-19 nos próximos meses, transformando 2020 em um ano ímpar”.

Quando tudo isto passar, a humanidade vai ter a oportunidade de refletir sobre o fato de que é impossível manter o modelo insustentável de produção e consumo. Perceberá que precisa reduzir a pegada ecológica global e tratar a natureza como uma aliada e não como inimiga. O ser humano precisa acordar para o fato de que sem tratar bem a ECOlogia não há como sustentar a ECOnomia. E que manter o crime do Ecocídio é o mesmo que optar pelo suicídio.

José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382



Referências:

ALVES, JED. A pandemia de Coronavírus e o pandemônio na economia internacional, Ecodebate, 09/03/2020

https://www.ecodebate.com.br/2020/03/09/a-pandemia-de-coronavirus-covid-19-e-o-pandemonio-na-economia-internacional-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. “A recessão em 2020 é inexorável e a palavra-chave para as pessoas é sobrevivência”, Correio da Cidadania, 21/03/2020

https://www.correiocidadania.com.br/34-artigos/manchete/14095-a-recessao-em-2020-e-inexoravel-e-a-palavra-chave-para-as-pessoas-e-sobrevivencia



in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 24/03/2020







Autor: EcoDebate
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data: 24/03/2020
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2020/03/24/o-crescimento-da-pandemia-de-coronavirus-e-a-reducao-da-poluicao-ambiental-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

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