RIGOTTO et al (2014) assinala que os agrotóxicos constituem hoje um importante problema de saúde pública, considerando a amplitude da população exposta nas fábricas de agrotóxicos e em seu entorno, na agricultura, no combate às endemias e em outros setores, nas proximidades de áreas agrícolas, além de todos os consumidores dos alimentos contaminados.
Entre 2007 e 2011, de acordo com os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), houve um crescimento de 67,4% de novos casos de acidentes de trabalho não fatais devido a agrotóxicos, e o coeficiente de intoxicações aumentou em 126,8%, crescimento este maior entre as mulheres (178%).
RIGOTTO et al (2014) identifica que o subdiagnóstico e a subnotificação são fartamente reconhecidos para os casos agudos e a limitação é ainda maior quando se trata de avaliar os efeitos crônicos dos agrotóxicos. Este quadro é explicável diante do progressivo aumento do consumo e intensificação do uso dessas substâncias no país.
O mercado brasileiro de agrotóxicos expandiu rapidamente na última década (190%), num ritmo de crescimento maior que o dobro do apresentado pelo mercado global (93%), o que coloca o Brasil em primeiro lugar no “ranking” mundial.
A liberação do cultivo a partir de sementes transgênicas e sua difusão nas áreas agricultáveis estão associadas ao aumento do consumo, tendo em vista o uso intenso de herbicidas, responsáveis por 45% do volume consumido, seguidos pelos fungicidas (14%) e inseticidas (12%).
Os resultados do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, desenvolvido pela ANVISA, indicam que em 2011, apenas 22% das 1.628 amostras analisadas estavam livres desses contaminantes.
Já o controle da contaminação da água para o consumo humano pelo sistema de vigilância em saúde, previsto na portaria 2.914/2011, tem sido ainda bastante restrito a municípios das regiões Sudeste e Sul do Brasil, não permitindo conhecer o quadro no território nacional.
RIGOTTO et al (2014) observa que considerar as perspectivas de cenários futuros para a questão dos agrotóxicos no Brasil, supõe analisar as disputas em curso no campo social, no qual agentes lutam por projetos e interesses distintos, muitas vezes contraditórios, inclusive nos princípios éticos que os orientam.
De um lado estão os agentes sociais comprometidos com a modernização da agricultura, que se colocam na atualidade a serviço da divisão internacional do trabalho definida pelas grandes corporações econômicas, impondo ao Brasil e a outros países da América Latina e da África a reprimarização de suas economias rumo à produção de “commodities”.
Nesse campo reúnem-se os setores oligopolizados da indústria química, metal-mecânica e de sementes, grandes proprietários de terra, e uma participação importante do setor financeiro.
Amparados em seu poder econômico e político, tecem fortes alianças com poderosos segmentos do Estado, tanto executivos, quanto legislativos e judiciários, para incidir na orientação das políticas de desenvolvimento, na destinação do crédito público para os complexos agroindustriais e na desregulamentação e flexibilização da legislação.
RIGOTTO et al (2014) registra que as políticas de ciência e tecnologia e a de formação de recursos humanos são também fortemente tensionadas por esses atores, a exemplo das pesquisas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e da tônica dominante nos cursos de ciências agrárias ou nos institutos federais.
Contam ainda com os meios de comunicação massivos na difusão dos pressupostos da “Revolução Verde”, focados no aumento da produtividade a partir de extensos monocultivos, da mecanização e da inexorabilidade do uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos, ampliando seu mercado inclusive entre agricultores familiares.
Tal modelo de produção tem levado ao surgimento de super-pragas, com grandes prejuízos econômicos e pressões para importação de agrotóxicos proibidos no país e pelo desmanche da atual legislação brasileira sobre agrotóxicos.
A Frente Parlamentar da Agropecuária e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) incidem de forma articulada e potente sobre temas como os direitos territoriais de povos quilombolas e indígenas, a reforma agrária, as florestas, a água, minerais, biodiversidade, direito ao trabalho e à saúde.
Exemplos claros são a lei n 12.873/13 e o decreto n 8.133/13, que estabelecem a anuência de importação, produção, comercialização e uso de agrotóxicos em situação de emergência fito ou zoosanitária, concedida apenas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), sem as avaliações prévias dos órgãos de saúde e de meio ambiente.
RIGOTTO et al (2014) assinala finalmente, que tramita atualmente no Senado o PLS 209/2013, que determina que um único órgão centralizará os procedimentos para avaliação dos agrotóxicos, de forma semelhante ao que acontece com as sementes transgênicas na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que em toda a sua história, jamais recusou uma liberação solicitada pelo setor econômico.
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Aposentado do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
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Referências:
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA). Relatório de Atividades de 2011 e 2012. Brasília: Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2013.
CARNEIRO, F. F., PIGNATI W., RIGOTTO R. M., AUGUSTO, L. G. S., RIZOLLO A. e MULLER, N. M., et al. Dossiê ABRASCO. Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Parte 1 – Agrotóxicos, Segurança Alimentar e Saúde. Rio de Janeiro: ABRASCO; 2012.
CENTRO COLABORADOR DE VIGILÂNCIA EM ACIDENTES DE TRABALHO, Universidade Federal da Bahia. Acidentes de trabalho devido à intoxicação por agrotóxicos entre trabalhadores da agropecuária 2000-2011. Salvador: Centro Colaborador de Vigilância em Acidentes de Trabalho, Universidade Federal da Bahia; 2012.
CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. Carta à Presidente Dilma Rousseff. Brasília: Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; 2013. (E.M. n o 003-2013/CONSEA).
MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. Brasil: projeções do agronegócio 2010/2011 a 2020/2021. Brasília: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; 2011.
MONTEIRO D. Alguns elementos do contexto político no Brasil relacionado à agricultura e ao desenvolvimento rural. Rio de Janeiro: Articulação Nacional de Agroecologia; 2013.
SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE, Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico 2013; 44(10).
RIGOTTO , Raquel Maria, VASCONCELOS, Dayse Paixão e, ROCHA, Mayara Melo, Uso de agrotóxicos no Brasil e problemas para a saúde pública, Cad. Saúde Pública vol. 30 n. 7, Rio de Janeiro Jul. 2014, http://dx.doi.org/10.1590/0102-311XPE020714
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 15/10/2019
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