sexta-feira, 4 de maio de 2018
A aliança China-Índia (Chíndia) e a ascensão do século asiático, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
A China e a Índia são os dois países mais populosos do mundo e os Estados Unidos (EUA) e a União Europeia (UE) são os dois maiores polos econômicos do mundo. Mas esta realidade vai mudar na próxima década. A China e a Índia (Chíndia) vão continuar como os países mais populosos (a Índia vai ultrapassar a China em termos demográficos) e se transformarão, também, no maior polo econômico.
O gráfico acima, com dados do FMI (abril de 2018) em poder de paridade de compra (ppp), mostra que o polo União Europeia (UE) e Estados Unidos (EUA) representavam 51,6% do PIB mundial em 1980, contra apenas 5,2% da Chíndia. Mas esta realidade mudou rapidamente e, em 2017, a dupla UE+EUA tinha apenas 31,8% do PIB mundial e a Chíndia 25,7%. Para 2023, as projeções do FMI apontam para 28,6% de UE+EUA e de 30,3% da Chíndia.
Durante pelo menos dois milênios, a China e a Índia foram responsáveis pela maior parte da economia mundial e ainda, em 1820, representavam cerca de 50% do PIB global. Após o início da Revolução Industrial e do domínio energético e militar, os países ocidentais tomaram a frente no processo de desenvolvimento econômico e passaram a ter um peso crescente no PIB mundial. Nos últimos dois séculos, os dois gigantes demográficos encolheram em termos econômicos e foram suplantados pelos países ocidentais.
Mas houve uma nova reviravolta nas últimas décadas e a China e a Índia voltaram a liderar o crescimento econômico global e devem formar o polo mais forte do PIB mundial já nos anos de 2020. A China saiu na frente e conseguiu dar um salto exponencial depois das reformas feitas por Deng Xiaoping, em 1979. A Índia acelerou o passo a partir dos anos de 1990. O gráfico abaixo, da CNN, mostra alguns dados econômicos e sociodemográficos dos dois países.
Embora China e Índia representem civilizações antigas e tenham vínculos seculares, nos tempos modernos os dois países enfrentam uma história de relacionamentos complicados. Desde 1950, os dois vizinhos (possuidores de arsenais nucleares) se envolveram em três conflitos militares em regiões fronteiriças em disputa. Outros pontos de discórdia incluem o ardente apoio de Pequim ao Paquistão, um arquirrival da Índia; enquanto o governo de Nova Délhi apoia o Dalai Lama, o líder espiritual tibetano exilado que é considerado um traidor separatista pelo governo chinês.
A competição econômica e estratégica entre a China – um estado de partido único governado pelos comunistas – e a Índia – a maior democracia do mundo – também se intensificou nos últimos anos, pois Pequim começou a expandir sua influência no tradicional quintal da Índia, especialmente com o lançamento do ambicioso plano de comércio global e infraestrutura, conhecido como Iniciativa “One Belt, One Road” (0BOR). Outros movimentos recentes que têm despertado forte suspeita na Índia vão desde o controle de um importante porto em Sri Lanka pela China e a assinatura de acordos comerciais inovadores com o Nepal, além da realização de operações antipirataria no oeste do Oceano Índico.
Mas apesar destas escaramuças, os dois países são tão grandes que seria impossível crescerem de forma autônoma, sendo que uma guerra, ou mesmo uma pequena hostilidade, poderia comprometer as metas individuais de progresso de cada um. Isto é ainda mais verdadeiro neste momento que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, inicial uma guerra comercial e adota o lema de “America First”. Uma união mais efetiva entre os dois gigantes do Oriente poderia mudar de vez o eixo econômico e político do mundo.
Assim, surpreendentemente, enquanto acontecia a esperada cúpula intercoreana entre o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, e o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, no dia 27 de abril de 2018 (quando anunciaram a intenção de retirar todas as armas nucleares da península coreana e assinar um acordo de paz até o fim deste ano) acontecia também uma cúpula entre o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o presidente chinês, Xi Jinping, na cidade de Wuhan (dias 27 e 28 de abril). Foi a primeira vez que Xi recebeu um primeiro-ministro indiano fora de Pequim.
O encontro a sós, entre os dois, foi seguido de reuniões alargadas, passeio de barco no belo East Lake e um jantar no resort que era um dos favoritos do antigo líder chinês Mao Zedong. Segundo o comunicado, o encontro informal visava “passar em revista os desenvolvimentos nas relações bilaterais numa perspectiva estratégica e de longo prazo”. Narendra Modi vai viajar novamente até à China em junho para participar na conferência que reúne os oitos membros da Organização para a Cooperação de Xangai. Além da China, Rússia e Índia, o grupo inclui os Estados da Ásia Central do Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Uzbequistão e Paquistão.
Isto quer dizer que está em gestação uma aliança para a formação da potência Chíndia, que, por sua vez pretende estreitar os laços com a Rússia e os países da Eurásia. O jornal Times of India publicou um twitter do primeiro-ministro Modi, dizendo: “O Presidente Xi e eu trocaremos pontos de vista sobre uma série de questões de importância bilateral e global. Vamos discutir nossas respectivas visões e prioridades para o desenvolvimento nacional, particularmente no contexto da situação internacional atual e futura”.
Artigo de Fu Xiaoqiang, no jornal ligado ao governo chinês, China Daily (26/04/2018) apresentou o título ilustrativo: “Cúpula pode anunciar ‘Século da Ásia’”. Ele diz que a reunião será um novo marco nas relações China-Índia, infundindo novo vigor nos laços bilaterais e inaugurando uma nova fase de cooperação. “O século da Ásia não virá sem o desenvolvimento da China e da Índia”, disse há 30 anos o ex-líder chinês Deng Xiaoping a Rajiv Gandhi, então primeiro-ministro da Índia. E há 15 anos, Atal Bihari Vajpayee, que era o primeiro-ministro indiano naquele país, enfatizou: “O século 21 se tornará o século da Ásia se a China e a Índia puderem construir um relacionamento estável e duradouro”.
Artigo de Laura Zhou (28/04/2018), no jornal South China Morning Post (SCMP), mostra que o encontro em Wuhan serviu para que Xi Jinping e Narendra Modi iniciassem um trabalho conjunto para melhorar a comunicação militar para evitar a repetição de conflitos ao longo de uma fronteira compartilhada de cerca de 3.500 quilômetros. O presidente chinês e o primeiro-ministro indiano enfatizaram que as duas nações devem trabalhar para aprofundar a confiança mútua e defender uma economia global aberta, apoiando um sistema comercial multilateral – uma crítica velada às ações comerciais protecionistas do presidente dos EUA, Donald Trump. O artigo cita a agência estatal Xinhua sobre os desdobramentos da reunião. “No próximo passo, os dois países devem fazer um plano abrangente de cooperação e melhorar ainda mais a comunicação estratégica para permitir a negociação oportuna sobre as grandes questões globais.”
Ou seja, a reunião reforçou a ideia de que a China e a Índia devem ser “bons vizinhos e bons amigos”. Que os dois países são o motor do crescimento econômico e devem investir mais na cooperação bilateral. China e Índia já fazem parte do grupo BRICS. Mas um relacionamento bilateral mais estreito é uma novidade. Além disto, a união da China e da Índia com a Rússia (RIC) pode formar um triângulo estratégico que aceleraria o fim da hegemonia Ocidental e o início da hegemonia do Oriente.
Segundo projeções da consultoria PwC, que atualiza anualmente as suas projeções sobre a economia internacional e o desempenho dos principais países no relatório “The World in 2050”, o eixo da economia global vai se deslocar para a Ásia. Em 2016, medido em poder de paridade de compra (ppp), os quatro maiores países eram China, com um PIB de US$ 21,3 trilhões, EUA com US$ 18,6 trilhões, Índia com US$ 8,7 trilhões e Japão com US$ 4,9 trilhões. Esta ordem vai se manter até 2030. Porém, em 2050 a China ampliará a diferença e terá um PIB de US$ 58,5 trilhões, a Índia assumirá a segunda colocação com US$ 44,1 trilhões, os EUA cairão para o terceiro lugar com PIB de US$ 34,1 trilhões e a Indonésia ocupará a quarta colocação com US$ 10,5 trilhões.
O gráfico abaixo mostra que o Brasil que estava em 7º lugar em 2016, com PIB de US$ 3,1 trilhões deve passar para o oito lugar em 2030 e subir para o quinto lugar em 2050, com PIB de US$ 7,5 trilhões. Entre os 32 países da lista abaixo, os dois últimos lugares são ocupados atualmente por Bangladesh e Vietnã. Porém, Bangladesh que estava em 31º lugar, em 2016, com PIB de US$ 0,63 trilhão, deve passar para o 23º lugar com PIB de US$ 3,1 trilhões em 2050. Mas o maior avanço deve acontecer com o Vietnã que estava em último lugar na lista de 32 países em 2016, com PIB de US$ 0,60 trilhão e deve saltar para 20º lugar em 2050, com PIB de US$ 3,2 trilhões.
Das 25 maiores economias em 2050, 13 estarão na Ásia. Mas o que chama mais a atenção é que a economia da China e da Índia (Chíndia) será 3 vezes maior do que a economia dos EUA em 2050. A economia conjunta de Rússia, Índia e China (RIC) será pouco menor do que o conjunto das outras 29 maiores economias (que inclui os países do G7: EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá).
Indubitavelmente, os países mais dinâmicos do mundo estão na Eurásia e a China e seus aliados se preparam para colocar em prática um grande plano de infraestrutura (OBOR) para aumentar a produtividade e a integração destes países. Se o século XIX foi do Reino Unido e o século XX foi dos EUA, o século XXI será da China, da Índia (da Rússia) e da Ásia, com destaque para as duas primeiras (e com grande peso dos regimes autoritários e autocráticos).
Parece que a preponderância da Ocidentalização vai ser superada pela ascensão do século asiático e pela Orientalização do mundo. O certo é que o centro dinâmico das novas tendências globais deve passar pela fortaleza da Chíndia. O encontro informal entre o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o presidente chinês, Xi Jinping, na cidade de Wuhan, em 27 e 28 de abril, foi apenas mais um passo na direção do fortalecimento da região do sol nascente e do enfraquecimento relativo da região do sol poente.
Referências:
ALVES, JED. A retomada histórica das economias da China e da Índia, Ecodebate, 02/10/2017
https://www.ecodebate.com.br/2017/10/02/retomada-historica-das-economias-da-china-e-da-india-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
Steven Jiang. Friday’s other big summit: Why the Modi-Xi meeting matters, CNN, April 26, 2018
https://edition.cnn.com/2018/04/26/asia/modi-xi-summit-reset-intl/index.html
Laura Zhou. China, India agree to improve military communication for border peace. South China Morning Post (SCMP), 28 April, 2018
http://www.scmp.com/news/china/diplomacy-defence/article/2143859/china-india-agree-improve-military-communication-border
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 04/05/2018
Autor: José Eustáquio Diniz Alves
Fonte: EcoDebate
Sítio Online da Publicação: EcoDebate
Data de Publicação: 04/05/2018
Publicação Original: https://www.ecodebate.com.br/2018/05/04/a-alianca-china-india-chindia-e-a-ascensao-do-seculo-asiatico-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
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