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Nem tudo é o que parece ser. Essa máxima vale para muitas coisas, inclusive para a alimentação, já que diversos produtos que parecem ser saudáveis nem sempre o são. Alguns exemplos clássicos são barras de cereal, cereais matinais, sucos prontos, pães de forma, mesmo os integrais, iogurtes (com exceção dos naturais), gelatina e peito de peru.
Presentes em vários cardápios, esses e tantos outros itens com "cara de nutritivos", na verdade, entram em uma categoria alimentar um tanto perigosa, a dos ultraprocesados, que, inclusive, nem existia até pouco tempo.
Ela só passou a ser efetivamente considerada em 2014, com a publicação da segunda edição do Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde, e a adoção do sistema de classificação alimentar NOVA, elaborado pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens), da Universidade de São Paulo (USP).
Este sistema agrupa os alimentos em quatro categorias, definidas de acordo com a extensão e o propósito do processamento industrial utilizado na sua produção. São elas: in natura ou minimamente processados, ingredientes culinários, processados e ultraprocessados.
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Antes disso, explica Maria Laura Louzada, pesquisadora do Nupens e professora do Departamento de Políticas Públicas e Saúde Coletiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os alimentos eram divididos segundo seu perfil de nutrientes (proteínas, carboidratos, gorduras, vitaminas e minerais).
A especialista conta que foi em 2009 que surgiu a proposta do agrupamento conforme o processamento industrial. "Isso se deu após analisarmos os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), desde a década de 1970, para avaliar o consumo domiciliar da população", diz.
O que a entidade observou foi que a cada ano, as famílias brasileiras estavam comprando menos açúcar refinado, sal e óleo, mas, que, apesar disso, a composição nutricional do que era colocado no prato apontava aumento na quantidade destes elementos, considerados, até então, os grandes vilões da saúde e os responsáveis pelo aumento da obesidade e das doenças crônico-degenerativas, como infarto agudo do miocárdio e hipertensão arterial.
"Foi a partir disso que percebemos que o problema não era exatamente o açúcar, o sal e a gordura, mas sim o que estava sendo ingerido", pontua Maria Laura. "Constatamos que as pessoas estavam parando de preparar alimentos in natura e minimante processados e comprando mais os prontos para consumo", acrescenta.
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A grande questão, ela pontua, é que esses produtos, em especial os ultraprocessados, contêm mais calorias e mais sal, açúcar e gordura, além de uma série de aditivos alimentares (reguladores de acidez, estabilizantes, espessantes, antioxidantes, realçadores de sabor, aromatizantes, corantes, conservantes, emulsificantes e fermentos químicos são alguns deles), que favorecem o consumo exagerado e provocam efeitos negativos no corpo e na saúde.
Paula Johns, diretora executiva da organização ACT Promoção da Saúde, comenta que, no caso exclusivo dos ultraprocessados, o conjunto de evidências em relação aos seus malefícios já é bem robusto.
"Esses alimentos, que, aliás, nem deveriam ser chamados de alimentos, mas sim de produtos comestíveis ultraprocessados, não contém nenhum nutriente, não saciam e ainda nos fazem querer comer cada vez mais", afirma.
Classificação dos alimentos
Os alimentos considerados in natura são aqueles obtidos diretamente de plantas (frutas, legumes, verduras, raízes e tubérculos) ou animais (ovos) e adquiridos para o consumo sem que tenham sofrido alterações após deixarem a natureza.
Já os minimamente processados são os in natura submetidos a pequenos processos, como limpeza, remoção de partes não comestíveis ou indesejáveis, refrigeração, secagem, embalagem, pasteurização, congelamento, moagem e fermentação, mas sem que sejam adicionados sal, açúcar, óleos, gorduras ou outras substâncias.
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Entram na lista grãos e cereais (arroz, feijão, milho, grão de bico, lentilha, trigo e aveia são alguns), oleoginosas (castanhas e nozes, por exemplo), leite, massas, farinhas, carne, ervas, chá e café.
De acordo com o Guia Alimentar para a População Brasileira, esses alimentos "são a base para uma alimentação nutricionalmente balanceada, saborosa, culturalmente apropriada e promotora de um sistema alimentar socialmente e ambientalmente sustentável".
Ingredientes culinários
Nesta categoria estão inclusos óleos vegetais, gorduras, sal e açúcar, extraídos de alimentos in natura ou da natureza por processos como prensagem, moagem, trituração, pulverização e refino, e responsáveis por diversificar e tornar a alimentação mais saborosa, sem que fique nutricionalmente desbalanceada.
Alguns exemplos de óleos vegetais são os de soja, milho, girassol e oliva; de gordura, manteiga, banha de porco e gordura de coco; açúcar, branco, demerara ou mascavo, e sal (refinado ou grosso).
Vale destacar que estes itens devem ser usados em pequenas quantidades para temperar e cozinhar alimentos e criar preparações culinárias com base nos alimentos in natura ou minimamente processados.
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Alimentos processados
Quando um alimento in natura ou minimamente processado recebe adição de sal, açúcar ou outra substância de uso culinário, para torná-lo durável e mais agradável ao paladar, ele passa a ser considerado processado.
Segundo o Ministério da Saúde e o Nupens, este tipo de produto é derivado diretamente de alimentos, sendo reconhecido como versão modificada, e usualmente é consumido como parte ou acompanhamento de preparações culinárias feitas com base em alimentos minimamente processados - caso do queijo acrescentando ao macarrão e das carnes salgadas ao feijão.
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Alguns exemplos são cenoura, pepino, ervilhas, palmito, cebola, couve-flor preservados em salmoura ou em solução de sal e vinagre; extrato ou concentrado de tomate (com sal e ou açúcar); frutas em calda e frutas cristalizadas; carne seca e toucinho; sardinha e atum enlatados; queijos e pães feitos de farinha de trigo, leveduras, água e sal.
As entidades comentam que as técnicas de processamento se assemelham às culinárias, podendo incluir cozimento, secagem, fermentação, acondicionamento em latas ou vidros e uso de métodos de preservação, como salga, salmoura, cura e defumação. E elas recomendam que se limite a ingestão destes alimentos, pois os ingredientes e os métodos usados na fabricação alteram de modo desfavorável a composição nutricional.
Alimentos ultraprocessados
O termo ultraprocessado é usado para caracterizar formulações produzidas com muitos elementos, incluindo sal, açúcar, óleos, gorduras e substâncias de uso exclusivamente industrial, como proteínas de soja e do leite e extratos de carnes, e que passam por várias etapas de processamento.
Essas formulações também costumam utilizar substâncias sintetizadas em laboratório a partir de alimentos e de outras fontes orgânicas, como petróleo e carvão - muitas delas atuam como aditivos, cuja função é estender a duração ou dotar o produto de cor, sabor, aroma e textura para torná-lo mais atraente.
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Uma dica para saber se o alimento faz parte deste grupo é consultar a lista de ingredientes no rótulo. Os principais indicativos são: número elevado de ingredientes (cinco ou mais), com nomes pouco familiares e que não são usados nas preparações culinárias, como gordura vegetal hidrogenada, óleos interesterificados e xarope de frutose.
Entram nessa categoria uma série de itens: biscoitos, sorvetes, balas e guloseimas em geral, cereais açucarados, bolos e misturas para bolo, barras de cereal, sopas, macarrão e temperos instantâneos, molhos, salgadinhos de pacote, refrescos e refrigerantes, bebidas lácteas e iogurte adoçados e aromatizados, energéticos, produtos congelados e prontos para aquecimento, extratos de carne de frango ou peixe empanados do tipo nuggets, salsichas e outros embutidos, pães de forma e pães para hambúrguer e cachorro quente.
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O Guia Alimentar para a População Brasileira indica que se evite esses alimentos por conta da composição nutricional desbalanceada, características que os ligam a ingestão excessiva de calorias e o impacto que as formas de produção, distribuição, comercialização e consumo têm sobre a cultura, a vida social e o meio ambiente.
O documento ainda destaca que "o problema principal com alimentos ultraprocessados reformulados é o risco de serem vistos como produtos saudáveis, cujo consumo não precisaria mais ser limitado". Isso porque a publicidade explora suas alegadas vantagens diante dos alimentos regulares, como "menos calorias" e "adição de vitaminas e minerais".
Riscos dos alimentos ultraprocessados
Com o aumento no consumo dos alimentos ultraprocessados em todo mundo - só no Brasil, entre 1996 e 2009, segundo o Nupens, a participação na dieta da população subiu de 18,7% para 30% -, vários estudos têm sido realizados para identificar seus reais riscos para a saúde.
Dentre os mais recentes está um publicado em maio deste ano pela Universidade de Navarra, da Espanha. Realizado com 19.899 voluntários, acompanhados durante 15 anos (de 1999 a 2014), ele constatou que consumir mais de quatro porções diárias de alimentos ultraprocessados está associado a uma chance 62% maior de todas as causas de mortalidade, e que a cada porção adicional, esse índice sobe mais 18%.
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Outra pesquisa divulgada no mesmo mês, esta pelo National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, mostrou a relação entre o consumo deste tipo de alimento e a maior ingestão calórica e ao ganho de peso.
Para isso, cientistas da entidade avaliaram 20 pessoas durante quatro semanas. No período, elas foram submetidas a dois tipos de dietas, ultraprocessada e não processada, ambas com quantidades iguais de nutrientes.
Ao final da experiência, a conclusão foi de que o grupo da dieta ultraprocessada consumiu 508 calorias a mais por dia em comparação com o da dieta não processada e ganhou quase 1 quilo em 15 dias.
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Por fim, um trabalho da Universidade de Paris, na França, reforçou a ligação entre a ingestão de ultraprocessados com o risco elevado de desenvolver doenças cardiovasculares.
Após acompanhar 105.159 indivíduos durante cinco anos, os pesquisadores verificaram que uma participação de apenas 10% desses alimentos na dieta aumenta em 12% a chance de infarto e em 11% a de acidente vascular cerebral (AVC).
Autor: Renata Turbiani
Fonte: São Paulo para a BBC News Brasil
Sítio Online da Publicação: BBC News Brasil
Data: 25/06/2019
Publicação Original: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48696636
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