segunda-feira, 5 de março de 2018

Pesquisa investiga os riscos de contaminação em reservatórios de água



Longos períodos de estiagem favorecem a proliferação de cianobactérias (Fotos: Divulgação/ UFRJ)


Na palavra dos pesquisadores, a situação é preocupante, e ainda agravada pelo histórico de escassez de água na região Nordeste. Segundo o resultado de um estudo recente, constatou-se que a água dos cinco principais açudes que abastecem a população do município de Campina Grande e seus entornos, na Paraíba, é imprópria para o consumo humano. De acordo com as análises feitas – metagenômica, toxicologia, dosagem de toxinas e metais pesados –, essas águas contêm níveis consideráveis de cianobactérias, que, por sua vez, produzem quantidade de cianotoxinas acima do tolerável ao organismo humano.

A pesquisa, que foi apresentada ao Ministério da Saúde e está sendo publicada esta semana no jornal científico Frontiers in Microbiology (https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fmicb.2018.00176/full), reuniu cientistas do Instituto Butantan, do Instituto de Pesquisas de Campina Grande (Ipesq), do Instituto de Biologia (IB) e do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ) – já parceiros no estudo da associação entre o vírus zika e a microcefalia.

Nos laboratórios da Coppe e IB, na UFRJ, no Rio de Janeiro, os testes realizados nas amostras recolhidas nos cinco açudes – Araçagi, Boqueirão, Saulo Maia, Galante e Mazagão – revelaram que aproximadamente 10% das comunidades microbianas dessas águas correspondem a cianobactérias – incluindo grupos potencialmente tóxicos, como Microcystis e Cylindrospermopsis. As análises também indicaram a presença de níveis significativos de cianotoxinas nessas águas. “O estudo demonstrou que açudes submetidos a longos períodos de estiagem estão sujeitos à proliferação de microrganismos tóxicos. E essa água poluída representa uma séria ameaça à saúde humana”, afirma o pesquisador Fabiano Thompson, Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ, e responsável pelo trabalho no Rio de Janeiro.


Na sequência acima, apenas as duas últimas imagens mostram peixes saudáveis


A situação descrita pelos pesquisadores é fácil de entender. Como explica Thompson, a ação humana – pela constante descarga de esgoto, efluentes industriais e chorume de fertilizantes agrícolas – leva à formação de uma maior concentração de matéria orgânica, especialmente nitrogênio e fósforo, em ambientes aquáticos, favorecendo o crescimento excessivo de plantas, que formam uma camada densa sobre a superfície da água, impedindo a penetração da luz e prejudicando a fotossíntese nas camadas inferiores. O resultado é um déficit de oxigênio, dificultando a vida de peixes e mamíferos aquáticos. Os que não conseguem sobreviver nesse meio cada vez mais insalubre, contribuem, por sua vez, para aumentar os níveis de matéria orgânica, agravando o círculo vicioso que acentua as más condições dessas águas. É o chamado processo de eutrofização.

“As análises mostram que os açudes que passam por esse processo – resultado tanto como consequência de fatores climáticos quanto pela poluição local – têm elevados níveis de fósforo e nitrogênio. Essa concentração de nutrientes pode fazer proliferar micro-organismos tóxicos presentes nos reservatórios, entre elas as cianobactérias, especialmente em longos períodos de seca”, explica Thompson, que ao lado da equipe se empenha em investigar os mecanismos envolvidos nesse processo e na produção de toxinas tóxicas.

“Na verdade, em nenhum dos cinco açudes, as águas se mostraram adequadas para uso humano ou animal, servindo apenas para navegação. As análises metagenômicas – que buscam extrair e fazer o sequenciamento de todo o material genético presente nas comunidades microbianas do ambiente – realizadas em nosso laboratório indicaram que, além de presentes em número maior do que o permitido em águas para uso humano, as cianobactérias encontradas nos açudes de Campina Grande também apresentavam os genes responsáveis pela produção de cianotoxinas”, constatou o pesquisador.

Para chegar a esses resultados, também foram feitas experiências com embriões do peixes-zebra no Instituto Butantan, que tem sede em São Paulo, como forma de testar a toxicidade das águas dos açudes. “Em Araçagi e no Boqueirão, houve índice de mortalidade de aproximadamente 62% dos embriões de peixes-zebra. No açude de Galante, houve má formação em mais de 60% dos peixes. E constatamos ainda que nenhuma das amostras colhidas nos cinco açudes apresentava condições para o uso humano.”

O problema é que esse tipo de contaminação por toxinas de cianobactérias exige técnicas avançadas de tratamento da água para consumo humano, como um sistema de filtragem por membranas, capaz de reter moléculas muito pequenas. "Mas isso também significa tecnologia cara e de implantação complicada, sobretudo para grandes cidades, como o Rio de Janeiro.“Acho que nem mesmo a cidade de São Paulo conta com uma estação de tratamento desse tipo”, diz Thompson.

O alerta dos pesquisadores é que o consumo de água contaminada por cianotoxinas pode levar a doenças crônicas e até mesmo à morte. Daí a importância de constante monitoramento dos reservatórios para evitar a ocorrência de episódios como o que ocorreu em Caruaru, em 1996, quando aparelhos de hemodiálise tratados com água contaminada deixaram um saldo de 60 mortes.

“Temos que pensar que mais de 800 milhões de pessoas no mundo inteiro não têm acesso a água tratada. No Brasil, o abastecimento ainda é um desafio em diversas regiões do País, sobretudo no Nordeste. A maioria das capitais do nosso país ainda não oferecem água potável tratada em condições adequadas para toda sua população", lamenta Thompson. E acrescenta: “Nesse quadro, o monitoramento constante dos reservatórios, integrando análises de metagenômica, biogeoquímica e toxicidade, pode ser uma ferramenta importante para garantir a qualidade do abastecimento."


Autor: FAPERJ
Fonte: FAPERJ
Sítio Online da Publicação: FAPERJ
Data de Publicação: 01/03/2018
Publicação Original: http://www.faperj.br/?id=3530.2.0

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